terça-feira, 24 de agosto de 2010

Arquivos soviéticos foram falsificados por Yeltsin

Arquivos soviéticos foram falsificados por Yeltsin
em 05/08/2010 (479 leituras)
Estes são tempos difíceis para os defensores do capitalismo na Rússia e nos países que integravam a União Soviética. Uma correnteza lava a história contada pelos gorbachovistas e a burguesia mundial sobre o período soviético sob a direção de Josef Stálin. Os arquivos sobre várias das principais “evidências do terror” das décadas de 30-40 do século passado então estão sendo novamente questionados e postos em dúvida. O motivo principal é a aparição de um agente do governo de Boris Yeltsin que afirma ter participado de alterações e falsificações de vários documentos, entre eles o de “O massacre de Katyn” e da “Carta de Béria nº 794/B” (nessa última ele mesmo teria falsificado a assinatura de Béria).


A denúncia foi tornada pública pelo deputado Viktor Ilyukhin, parlamentar da Duma russa pelo Partido Comunista da Federação Russa (PCFR), que foi contatado por telefone no dia 20 de maio pelo agente que queria passar informações sobre as execuções de oficiais poloneses em Katyn, caso conhecido como “O massacre de Katyn”. No mesmo dia, Ilyukhin encontrou-se pessoalmente com o ex-agente de Yeltsin e um dos encarregados pela falsificação de documentos soviéticos do período de Stálin. De acordo com o informante, ele resolveu falar porque não concorda com a situação que vive a Rússia e com a liberação dos documentos falsificados para a população.



Segundo o agente relatou ao deputado Viktor Ilyukhin, um grupo de falsificadores foi formado no início da década de 1990 (os documentos apareceram, “misteriosamente”, em 91-92) e eles foram providos de altos salários e materiais para as falsificações, como velhos carimbos e fôrmas para carimbos soviéticos. O grupo trabalhou na cidade de Nagorno até o ano de 1996 e depois seus membros foram transferidos para a vila de Zaretye. Entre os participantes do grupo de falsificação estariam o coronel Klimov, Rudolf Pichoya (chefe do arquivo russo), M. Poltoranin (amigo de Yeltsin) e G. Rogozin (chefe da segurança do presidente russo). Há de se observar que Rudolf Pichoya foi o responsável pela entrega dos documentos “secretos” ou “perdidos” do Pacote Fechado nº 1 (ou Pasta de Katyn) a Lech Walesa (presidente da Polônia) em Varsóvia, no dia 14 de outubro de 1992. Ele afirmou ainda ter sido ele quem falsificou a assinatura de Béria na carta conhecida como Carta de Béria nº 794/B e também as assinaturas de Stálin, Voroshilov, Molotov e Mikoyan.

A falsificação do grupo engloba importantes momentos da história soviética, a fim de incriminar o Estado Soviético. Buscava alterar documentos existentes e até criar outros. Fazem parte das falsificações: o ato de abdicação de Nicolau II, a Carta de Shelepin (que incrimina a URSS pela morte de cidadãos polacos) e a Carta de Béria nº 794/B. Diz ainda que sabe da participação do 6º Instituto do Estado-Maior Russo nestas alterações, acabando por entregar vários materiais que foram usados nas falsificações. Entre eles, fôrmas de carimbos da década de 1940, alguns carimbos falsos e marcas de carimbos e documentos.



Viktor Ilyukhin tornou públicas as informações por meio da divulgação de um vídeo em que mostra parte do material que tem. Entre eles há o destaque para um carimbo similar ao usado na Carta de Béria e um documento de 202 páginas (também falsificado pelo mesmo grupo) tendencioso e que faz crer que Stálin, mesmo sabendo da iminência da guerra com a Alemanha nazista, não teria feito nada para a URSS se preparar.

No vídeo, o deputado afirma que o coronel Klimov fora o único responsável pela Carta de Shelepin (de 1959, direcionada a Kruchev), sendo então fácil comparar sua letra à letra dessa carta por meio de perícia. Quando o informante fazia parte do grupo, chegava a liberar milhares de páginas falsificadas. Disse que algumas ordens de falsificação teriam vindo diretamente do chefe do arquivo russo. Provavelmente o grupo ainda trabalha em algum lugar agora desconhecido.

Em junho passado, Ilyukhin pediu à Duma russa uma investigação parlamentar, devido ao tamanho dos fatos e aos altos funcionários envolvidos. Reclamou que tais falsificações buscavam igualar o stalinismo ao fascismo e que a atividade deste grupo coincidiu com a desclassificação de documentos do Politburo e do Comitê Central do Partido Comunista por uma comissão de governo liderada por Mikhail Poltoranin, que era um dos envolvidos nas falsificações.

Vários documentos foram avaliados por especialistas, a pedido do PCFR, que acabaram por comprovar que os documentos são falsos. Nesse bolo de falsificações estaria um documento que tenta provar parcerias entre a NKVD (polícia soviética) e a Gestapo (polícia secreta nazista).

Em seu discurso à Duma, Ilyukhin fez menção aos carimbos que tem em sua mão para falsificações em nome de Béria e Stálin e algumas fôrmas dos anos 30 e 40 como prova. Reclamou à Duma uma comissão para investigar o massacre de prisioneiros de guerra poloneses em Kozi Gory, visto que, dos milhares de vítimas do “terror” dos sovietes, somente 162 crânios foram encontrados em Kharkov e apenas 62 tinham perfurações de bala. Já em Katyn, em sua maioria, os crânios apresentavam buracos de bala. Em Mednoe, por sua vez, dos 226 “poloneses” mortos encontrados, apenas 20 tinham marcas de bala. O que é uma prova de que as mortes não têm conexão alguma com um fuzilamento em massa.

O caso de Katyn é conhecido por ser um sinal de alerta ao nível a que se chegou nos ataques ao socialismo. Para isso são apresentados 49 pontos que comprovavam sua falsificação e que podem ser lidos, em inglês, no blog http://mythcracker.wordpress.com. Vários vídeos de Ilyukhin falando à Duma e à TV sobre o caso podem ser vistos na internet.

Os capitalistas podem atacar como for o socialismo, o marxismo-leninismo, mas a história mostrou, mostra e mostrará sempre a verdade.

Eduardo Augusto, Recife

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Um Trotskista Assassina Trotsky

No fim da tarde de 20 de agosto de 1940,em uma vila altamente fortificada em Coyoacán(México),Fank Jacson ,um dos seguidores de Trotsky , assassinou seu líder esmagando sua cabeça com uma picareta alpina.O assassinato de Trotsky por um dos seus próprios discípulos tornou-se ocasião para os trotskistas atribuírem ainda outro crime imaginário aos agentes de Stalin - O assassino de Trotsky.Como sempre,a realidade é muito diferente de seu retrato pelo trotskismo.

Eis os fatos:
Em setembro de 1939,um agente trotskista europeu viajando sob o nome suposto de Frank Jacson(seu nome real era Jacques Monard Van den Dresche)chegou aos Estados Unidos.Jacson tinha sido recrutado no movimento trotskista ,enquanto estudante na Sobornne de Paris, Por Sylvia Ageloff,uma trotskista americana.Em 1939,ele foi contatado em Paris por um representante da denominada Quarta Internacional,que chamou para ir para o México servir como um dos "secretários"de Trotsky . Jcason foi recebido em sua chegada por Sylvia Ageloff e outros trotskistas e levado a Coyoacán,onde ele passou a trabalhar para Trotsky . Após sua prisão,Jacson disse à polícia mexicana:

"Trotsky estava querendo mandar-me para a Rússia,com o objetivo de organizar um novo estado de coisas na URSS...Nossa missão era produzir a desmoralização no Exército Vermelho,cometendo diferentes atos de sabotagem em indústria de armamentos e outras fábricas."

Jacson nunca foi para a sua missão terrorista à União Soviética.Em lugar disso, cumpriu outra missão em Villa Coyoacán. que Sayers e Kahn contem a história:

"preso pela policia mexicana,Jcason disse que ele tinha desejado casar-se com Sylvia Ageloff ee que Trotsky tinha proibido o casamento.Uma rixa violenta,envolvendo a moça,surgiu entre dois homens'por causa' disse Jacson,'eu resolvi sacrificar-me inteiramente.'

Em uma declaração posterior,Jacson afirmou:
'...em lugar de encontrar-me frente a frente com um chefe político que estava dirigindo e luta pela libertação da classe operária.,vi-me diante de um homem que desejava nada mais do que satisfazer suas necessidades e desejo de vingança e de ódio e que não utilizava a luta dos operários para nada mais do que um meio de esconder sua própria ligação insignificância e seus cálculos desprezíveis...em relação a sua casa,que ele me disse muito acertadamente ter sido convertida em um fortaleza.Eu me perguntei muitas vezes de onde tinha vindo o dinheiro para tal trabalho...Talvez o Cônsul de uma grande nação estrangeira que muitas vezes visitou-o nos possa responder essa pergunta...
Foi Trotsky que destruiu minha natureza,meu futuro e todas as minhas afeições.Ele converteu-me em uma homem sem nome,em um instrumento de Trotsky - Trotsky esmagou-me em suas mãos como se eu fosse de papel."

"A morte de Leon Trotsky deixou apenas um candidato vivo para o papel napoleônico na Rússia: Adolf Hitler"(The Conspiracy,pp. 3355-336).

Brar,Harpal, Trotskismo X Leninismo - Lições da História.Editora Caravansarai.
A Grande Conspiração - A guerra secreta (Citações)

"Trotsky tornava-se cada vez mais impaciente. O tom de suas comunicações aos seus companheiros na Rússia sofrera marcada mudança. Ele os censurava amargamente por virem se empenhando em preparativos e conversações de organização , sem terem terem realizado nada de concreto. Trotsky começou a mandar agentes especiais de sua própria confiança à união soviética para organizar e acelerar atividades terroristas. esses agentes agentes ,que eram os emigrados russos ou trotskista alemães , viajavam com passaporte falso providenciado pelos conspiradores do serviço diplomático soviético ou pelo S.S. militar alemão oou pela gestapo."


Os terroristas recebiam periodicamente mensagens de Leon Trotsky encarecendo a urgência de eliminar os lideres soviéticos .Uma dessas mensagens alcançou Ephraim Dreitzer,antigo guarda-costas de Trotsky , em outubro de 1934 .Trotsky escrevera com tinta invisível às margens de uma revista alemã de cinema.Foi entregue a Dreitzer,pela sua irmã, que recebera a revista de um portador trotkista em Varsóvia.A mensagem dizia:


"Caro amigo. Transmita que temos diante de nós as seguintes e principais tarefas:
1- Remover Stálin e Voroshilov.

2- Desenvolver o trabalho de organização de núcleos no exército.

3- No caso de uma guerra, tirar proveito de Toda indecisão e confusão para capturar o governo.

A mensagem vinha assinada por Starik("o velhor") que era a assinatura em código de Trotsky.

Trotsky :
"Há duas variantes possíveis para a nossa ascensão ao poder.A primeira é a possibilidade de nossa subida ao poder antes da guerra, a segunda durante a guerra...

Devo admitir que a questão do poder só se tornará uma saída prática para o bloco como resultado da derrota da URSS NA GUERRA. . Para isso o bloco dependerá toda a sua energia..."

Para assegura o pleno apoio da Alemanha e do Japão , sem o que seria absurdo pensar em chegarmos ao poder" o bloco das direitas e trotskistas deve estar disposto a fazer consideráveis concessões.Trotsky nomeava essas concessões:

"A Alemanha precisa de matérias-primas, víveres e mercadorias.Permitir -lhe-emos que participe da exploração de minério, manganês,ouro,petróleo, apatitas e procuraremos abastecê-la por algum tempo de víveres e gorduras, por preço melhor do que os preços mundiais.

Cederemos ao Japão o petróleo das Sakalinas e garantiremos o seu abastecimento no caso de uma guerra com a América.Permiti-lhe-emos ainda a exploração de veios auríferos.

atenderemos à solicitação da Alemanha , sem nos opormos a que ela se apodere dos países do Danúbio e dos Balcãs , "nem impediremos que o japão tome a China"... Teremos de fazer inevitavelmente , concessões territoriais. Cederemos a Província Marítima e a região de Amur ao Japão, e a Ucrânia à Alemanha."

Os Direitos Humanos em Cuba

Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=JdQU0mXrUXo
.
Parte2: http://www.youtube.com/watch?v=fReNR2GbscQ
.
Parte 3: http://www.youtube.com/watch?v=jsN2k7cXiUk
.
Parte 4: http://www.youtube.com/watch?v=lykk3a2_a6w
.
Parte 5: http://www.youtube.com/watch?v=mcMtE_haWxU
.
Parte 6: http://www.youtube.com/watch?v=0NL0WASaq90
.
Parte 7: http://www.youtube.com/watch?v=_1sxzprsCOQ
.
Parte 8: http://www.youtube.com/watch?v=JoPSnD2y9PQ
.
Parte 9: http://www.youtube.com/watch?v=QrAzce36FGY
.
Parte 10: http://www.youtube.com/watch?v=F2l_T4Nh6Dc
Sobre os sindicatos, o momento atual e os erros de Trótsky
[1]

V. I. Lênin

30 de dezembro de 1920

Camaradas:

Antes de tudo, devo pedir desculpas por haver infringido o regulamento, pois para participar das discussões teria de ter ouvido, naturalmente, o informe, o co-informe e os debates. Infelizmente, meu estado de saúde não me permitiu. Mas ontem tive oportunidade de ler os documentos mais importantes impressos e de preparar minhas observações. Logicamente, a infração ao regulamento a que me referi, implica em certos inconvenientes para vocês: é possível que faça repetições por não saber o que os outros disseram e não responda o que deveria ser respondido. Mas não pude fazer de outro modo.

Meu material básico é o folheto do camarada Trótsky Sobre o Papel e as Tarefas dos Sindicatos. Comparando este folheto com as teses que ele apresentou no Comitê Central, e lendo-o com atenção, assombra-se a quantidade de erros teóricos e de inexatidões flagrantes que contém. Ao iniciar uma grande discussão no seio do Partido sobre este problema, como pôde preparar uma coisa tão infeliz em vez de apresentar algo mais pensado? Assinalarei, brevemente, os pontos fundamentais nos quais, em minha opinião, há erros teóricos essenciais.

Os sindicatos são uma organização industrial, não só historicamente necessária, mas também historicamente inevitável, que nas condições da ditadura do proletariado engloba quase a totalidade dos operários da indústria. Esta é a idéia fundamental, mas o camarada Trótsky esquece-a constantemente, não parte dela, não a valoriza. O próprio tema proposto por ele: "Papel e Tarefas dos Sindicatos" é excessivamente amplo.

Do que foi dito, conclui-se que em toda a atividade da ditadura do proletariado o papel dos sindicatos é essencial ao máximo. Mas qual é este papel? Passando à discussão deste problema, um dos problemas teóricos mais importantes, chego à conclusão de que o papel dos sindicatos é de extraordinária peculiaridade. De um lado, ao abarcar, ao conter nas fileiras da organização a totalidade dos operários industriais, os sindicatos são uma organização da classe dirigente, dominante, governante, da classe que exerce a ditadura, da classe que aplica a coerção estatal. Mas não é uma organização estatal, não é uma organização coercitiva, é uma organização educadora, uma organização que atrai e instrui, é uma escola, escola de governo, escola de administração, escola de comunismo. É uma escola de tipo completamente desconhecido, pois nos sindicatos não há mestres e alunos, mas certa combinação extraordinariamente original daquilo que ficou do capitalismo, e que não podia deixar de ficar, e do que realizam em seu seio os destacamentos revolucionários avançados, isto é, a vanguarda revolucionária do proletariado. Pois bem, falar do papel dos sindicatos, sem levar em conta estas verdades, significa chegar inevitavelmente a uma série de erros.

Pelo lugar que ocupam no sistema da ditadura do proletariado, os sindicatos estão situados, se é justo dizer assim, entre o Partido e o poder do Estado. Na transição para o socialismo é inevitável a ditadura do proletariado, mas essa ditadura não é exercida pela organização que contém a totalidade dos operários industriais. Por quê? Podemos ler isso nas teses do II Congresso da Internacional Comunista sobre o papel do partido político em geral. Sobre isto não vou deter-me aqui. A questão é que o Partido, se assim se pode dizer, recolhe em seu seio a vanguarda do proletariado, e esta vanguarda exerce a ditadura do proletariado. E sem contar com uma base como os sindicatos não se pode exercer a ditadura, as tarefas estatais não podem ser cumpridas. Mas é preciso realizar estas funções através de uma série de instituições especiais de novo tipo, a saber: através do aparelho dos sovietes. Em que consiste a peculiaridade desta situação no que se refere às conclusões práticas? Como cria os sindicatos o vínculo da vanguarda com as massas; os sindicatos, através do seu trabalho diário, convencem as massas, as massas da única classe capaz de conduzir-nos do capitalismo ao comunismo. Isto de um lado. De outro os sindicatos são uma "reserva de força" do poder do Estado. Isso são os sindicatos no período de transição do capitalismo ao comunismo. Geralmente não se pode realizar essa transição sem que a única classe educada pelo capitalismo para a grande produção e a única que está desligada dos interesses do pequeno proprietário exerça a sua hegemonia. Mas não se pode levar a cabo a ditadura do proletariado através da organização que engloba a totalidade dele. Pois o proletariado ainda está tão dividido, tão rebaixado, tão corrompido em alguns lugares (precisamente pelo imperialismo em certos países), não só na Rússia, um dos países capitalistas mais atrasados, como também nos demais países capitalistas, que a organização integral do proletariado não pode exercer diretamente a ditadura deste. A ditadura só pode ser exercida pela vanguarda, que concentra em suas fileiras a energia revolucionária da classe. Temos, pois, algo assim como uma série de rodas dentadas. Tal é o mecanismo da própria base da ditadura do proletariado, da própria essência da transição do capitalismo ao comunismo. Disto já se pode concluir que, quando o camarada Trótsky, ao se referir na primeira tese à "confusão ideológica", fala de uma crise especialmente e precisamente dos sindicatos, há no fundo desta afirmação alguma coisa errada do ponto de vista dos princípios. Falando de crise, só o podemos fazer depois de analisar o momento político. Quem tem "confusão ideológica" é precisamente Trótsky, porque ele e não outro, na questão fundamental relativa ao papel dos sindicatos, do ponto de vista da transição do capitalismo ao comunismo, não percebeu, não levou em conta que nesse caso estamos em face de um complexo sistema de várias engrenagens e não pode haver um sistema simples, dada a impossibilidade de exercer a ditadura do proletariado através da organização que abarca a sua totalidade. Não se pode realizar a ditadura sem vária "correias de transmissão", que vão da vanguarda às massas da classe avançada, e destas às massas trabalhadoras. Na Rússia, as massas trabalhadoras são camponesas; em outros países não existem tais massas, mas mesmo nos países adiantados há uma massa não proletária ou não puramente proletária. É esta efetivamente a razão da "confusão ideológica". Trótsky em vão responsabiliza os outros por ela.

Quando examino o papel dos sindicatos na produção, comprovo que Trótsky incorre no erro fundamental de sempre falar deste problema "em principio", de falar do "principio geral". Em todas as suas teses, Trótsky, parte do ponto de vista do "princípio geral". Já neste sentido, a formulação é radicalmente errada. Isto sem dizer que já o IX Congresso do Partido falou bastante sobre o papel dos sindicatos na produção, falou mais do que era necessário. E sem dizer que ele, Trótsky, reproduz em suas próprias teses umas afirmações perfeitamente claras de Lozovski e Tomski, dos quais se utiliza para fazê-los desempenhar o papel de "saco de pancadas", como se diz em alemão, ou de objeto em que exercita seus dotes polêmicos. Não há divergências de principio, e foram escolhidos para isso, por azar, Tomski e Lozovski que escreveram coisas citadas pelo próprio Trótsky. Nelas nada encontraremos de sério no terreno das divergências de principio, por muito interesse que tenhamos em encontrá-las. Em geral, o erro gigantesco, o erro de principio, consiste em que o camarada Trótsky arrasta o Partido e o poder soviético para trás, formulando agora a questão no "terreno dos princípios". Felizmente passamos dos princípios ao trabalho prático, positivo. No Smolni [2], falamos sobre os princípios, e inevitavelmente mais do que era preciso. Agora, passados três anos, sobre todos os pontos do problema da produção, sobre toda uma série de elementos integrantes deste problema, existem decretos, mas os decretos são coisas tão infelizes que, depois de assiná-los, nós mesmos os lançamos ao esquecimento e não os cumprimos. E depois, arbitrariamente, divaga-se sobre os princípios, inventam-se divergências de principio. Mais adiante, assinalarei um decreto que se refere ao problema do papel dos sindicatos na produção, decreto que todos esquecemos, e eu também, do que me arrependo.

As divergências efetivas que existem não se referem de modo algum as questões relativas aos princípios gerais, salvo as que enumerei. Eu tinha o dever de salientar essas minhas "divergências" com o camarada Trótsky, que acabo de enumerar, pois ao escolher um tema tão amplo, como Papel e Tarefas dos Sindicatos, o camarada Trótsky, em minha opinião, incorreu em diversos erros a cerca da própria essência da questão relativa à ditadura do proletariado. Mas, pondo isso de lado, é justo perguntar qual a razão por que não conseguimos em nosso trabalho a seriedade que tanto necessitamos. Isso se deve à divergência sobre os métodos de abordar às massas. Nisto consiste a essência da questão. Nisto reside justamente a peculiaridade dos sindicatos como instituições criadas no capitalismo, inevitáveis na transição do capitalismo a o comunismo e discutíveis quanto ao futuro. Está longe esse futuro que os sindicatos serão uma interrogação; nossos netos terão que enfrentar isso. Mas agora trata-se de como abordar as massas, de como ganhá-las, de como ligarmos a elas, de como garantir a boa marcha das complicadas correia de transmissão do trabalho (do trabalho destinado a exercer a ditadura do proletariado). Observem que, quando falo das complicadas correias de transmissão do trabalho, não penso no aparelho dos sovietes. O que se deve dizer das complicadas correias de transmissão, constitui um capitulo à parte. No momento, só falo em abstrato e do ponto de vista dos princípios sobre a relação entre as classes na sociedade capitalista; nela há proletariado, há massas trabalhadoras não proletárias, há a pequena burguesia e há a burguesia. Deste ponto de vista, mesmo que não houvesse burocratismo no aparelho do poder soviético, já temos uma extraordinária complexidade de correias de transmissão, em virtude do que foi criado pelo capitalismo. E nisto é preciso pensar, sobretudo quando surge o problema da dificuldade da "tarefa" dos sindicatos. Repito, a divergência efetiva não consiste de modo algum no que pensa o camarada Trótsky, mas no problema de como ganhar as massas, no problema de como abordá-las, de como nos ligarmos com elas. Devo dizer que se estudássemos detalhada e minuciosamente, embora em pequenas proporções, a nossa própria prática, a nossa experiência, evitaríamos inúmeras "divergências" e erros de princípios supérfluos de que está cheio o folheto do camarada Trótsky. Por exemplo, há teses inteiras no folheto consagradas à polêmica sobre o "trade-unionismo" soviético. Inventou-se um novo espantalho, como se fossem poucos os existentes! E quem o inventou? O camarada Riazanov. Conheço o camarada Riazanov há vinte e tantos anos. Vocês o conhecem há menos tempo do que eu, mas o conhecem tanto quanto eu em relação às suas atividades. Sabem muito bem que entre os lados fortes que ele possui não está o de saber avaliar as palavras de ordem. E por que vamos apresentar nas teses como "trade-unionismo soviético" aquilo que o camarada Riazanov disse em certa ocasião tão inoportunamente? Isto é sério? Se for assim, então teremos "trade-unionismo soviético", "posição soviética contrária ao tratado de paz" e não outras tantas coisas parecidas. Não há um único assunto em que não se possa colocar um "ismo" soviético. (Riazanov: "antibretismo soviético") sim, absolutamente certo, "antibretismo soviético".

Incorrendo, entretanto nesta falta de seriedade, o camarada Trótsky, por sua vez, comete um novo erro. Conclui ele que a defesa dos interesses materiais e espirituais da classe operária não é da incumbência dos sindicatos em um Estado operário. Isto é um erro. O camarada Trótsky fala de "Estado operário". Permitam-me dizer que isto é pura abstração. Compreende-se que em 1917 escrevêssemos sobre o Estado operário, mas agora comete-se um erro evidente quando se diz: Para que a ante de quem defender a classe operária, se não a burguesia e o estado operário? Não se trata de um Estado completamente operário, aí está o x da questão. É nisto realmente que reside um dos erros fundamentais do camarada Trótsky. Agora que passamos dos princípios gerais ao exame prático e aos decretos, querem arrastar-nos para trás, desviando-nos do trabalho prático e positivo. Isto não é admissível. Em nosso país, o Estado não é, na realidade, operário, e sim operário e camponês. Isto em primeiro lugar. E daí decorrem muitas coisas. (Bukhárin: Que Estado? Operário e Camponês?). E, embora o camarada Bukharin grite lá de trás: "Que Estado? Operário e Camponês?" não lhe responderei isto. Quem quiser, pode lembrar-se do Congresso dos sovietes que acaba de se realizar e nele encontrará resposta.

Porém há mais alguma coisa. No programa de nosso Partido – documento do autor do a-bê-cê do comunismo conhece muito bem – já assinalamos que nosso Estado é operário com uma deformação burocrática. Tivemos que pendurar-lhe – como diria eu? – esta lamentável etiqueta, ou coisa parecida. É esta a realidade do período de transição. Pois bem, será que diante deste tipo de Estado, que praticamente se consolidou, nada têm os sindicatos a defender? Pode-se dispensá-los na defesa dos interesses materiais e espirituais do proletariado organizado em sua totalidade? Esta seria uma opinião completamente errada do ponto de vista teórico. Isto nos levaria às regiões da abstração ou de um ideal que alcançaremos no fim de quinze ou vinte anos, embora eu não esteja seguro de que o alcançaremos precisamente neste prazo. Temos diante de nós uma realidade que conhecemos bem, se não perdermos a cabeça, se não nos deixarmos levar por especulações pretensamente intelectuais, ou por raciocínios abstratos, ou por alguma coisa que às vezes parece "teoria", mas que na realidade é um erro, uma falsa apreciação das particularidades do período de transição. Nosso Estado de hoje é tal que o proletariado organizado em sua totalidade deve defender-se, e nós devemos utilizar estas organizações operárias para defender os operários em face de seu Estado e para que os operários defendam nosso Estado. Uma e outra defesa são realizadas através de uma combinação original de nossas medidas estatais e de nosso acordo e "entrelaçamento" com nossos sindicatos.

Desse entrelaçamento falarei mais adiante. Mas esta palavra já demonstra por si que inventar aqui um inimigo personificado pelo "trade-unionismo soviético" equivale a cometer um erro. Pois o conceito de "entrelaçamento" significa que há em presença coisas diferentes que ainda é preciso entrelaçar; o conceito de "entrelaçamento" subentende a necessidade de saber utilizar as medidas do poder estatal para defender diante deste poder estatal os interesses materiais e espirituais do proletariado organizado em sua totalidade. Porém, quando em lugar de entrelaçamento tenhamos articulação e fusão, então nos reuniremos num congresso em que faremos um exame positivo da experiência prática, e não de "divergências" de principio ou de raciocínio teóricos abstratos. Também é infeliz a tentativa de descobrir divergências de princípios com o camarada Tomski e o camarada Lazovski, que são apresentados pelo camarada Trótsky como "burocratas" sindicais (mais adiante direi em qual das partes em choque há tendências burocráticas). Sabemos muito bem que se o camarada Riazanov tem as vezes a pequena debilidade de inventar sem necessidade uma palavra de ordem de principio, o camarada Tomski não tem este defeito, apesar dos muitos de que padece. Por isso, parece que iniciar um combate com o camarada Tomski sobre os princípios (como faz o camarada Trótsky) é passar do limite. Isto, na verdade, assombra-me. Houve um tempo em que todos nós demos muitos tropeções no que se refere às divergências fracionais, teóricas e de outros tipos (mas, é claro, também fizemos alguma coisa de útil), e parece que desde então superamos isso. Já é hora de passar da invenção e dos exageros sobre divergências de princípios para um trabalho pratico. Nunca ouvi dizer que em Tomski predomine o teórico, que Tomski pretenda ostentar o titulo de teórico; talvez isso seja um defeito seu, isso já é outra questão. Mas Tomski, integrado como está com o movimento sindical, tem que refletir, consciente ou inconscientemente (isso já é outra questão, eu não digo que faça sempre conscientemente), dada a situação, tem que refletir este complicado período de transição, e se quando alguma coisa dói nas massas e elas próprias não sabem o que lhes dói e ele também não o sabe (aplausos e risos), se então ele esbraveja, afirmo que isto é um mérito e não defeito. Estou absolutamente convencido de que podem ser encontrados em Tomski muitos erros teóricos parciais. E todos nós, se nos sentamos em torno de uma mesma mesa e escrevemos uma resolução ou umas teses, nelas introduziremos emendas, ou talvez não as introduzamos, pois o trabalho de produção é mais interessante do que a correção de divergências teóricas de pouca importância.

Passo agora à "democracia na produção", isto, a bem dizer, é para Bukharin. Sabemos que cada pessoa tem pequenas debilidades, até as grandes personalidades padecem de pequenas fraquezas, inclusive Bukharin. Se surge uma expressão artificiosa, imediatamente Bukharin se a favor dela. No pleno do Comitê Central, reunido a 7 de setembro, Bukharin escreveu quase com voluptuosidade uma resolução sobre a democracia na produção. E quanto mais penso nesta "democracia na produção", mais claramente vejo-lhe a falsidade teórica, vejo que lhe faltou meditação. A única coisa que dela resultou foi a confusão. Diante disso, pelo menos em uma assembléia do Partido, é preciso dizer mais uma vez: "Camarada N.I.Bukharin, menos floreios verbais: assim será melhor para você, para a teoria e para a Republica". (Aplausos) A produção é sempre necessária. A democracia é uma das categorias exclusivamente da esfera política. Não se pode ser contra o emprego desta expressão em um discurso ou em um artigo. O artigo leva em conta e expressa com todo o destaque uma correlação, e isto basta. Mas quando se converte isto em tese, "quando disto se deseja fazer uma palavra de ordem que agrupe "conformados" e divergentes", quando se diz, como faz Trótsky, que o Partido deverá "escolher entre duas tendências", isto já é completamente estranho. Referir-me-ei em especial a se o Partido deverá "escolher", e de quem é a culpa de haver-se colocado o Partido na contingência de ter que "escolher". De vez que a coisa já está formulada assim, devemos dizer: de qualquer modo, escolham menos palavras de ordem teoricamente falsas e que só causam confusão, como a da "democracia na produção". Nem Trótsky nem Bukharin pensaram com a necessária clareza teórica sobre essa expressão, tanto um como o outro se confundiram. A "democracia na produção" sugere pensamentos que de nenhum modo se enquadram no âmbito de idéias que ambos possuíam. Eles queriam assinalar, fixar mais a atenção na produção, o que ficaria bem em um artigo ou discurso; mas quando o dito se converte em tese e quando o Partido deve escolher, eu afirmo: não escolham isto, porque é uma confusão. A produção é sempre necessária, a democracia nem sempre. A democracia na produção dá lugar a uma série de idéias radicalmente falsas. Recentemente a direção unipessoal era defendida. Não se pode fazer uma mistura, criando o perigo de confundir as pessoas: certas vezes, democracia, outras, direção unipessoal, e outras, ditadura. De nenhum modo é preciso renunciar à ditadura. Ouço que atrás de mim Bukharin grita: "Completamente exato". (Risos. Aplausos)

Prossigamos. Desde setembro falamos da passagem do sistema de choque ao igualitarismo; falamos disto na resolução da conferência geral do Partido, aprovada pelo Comitê Central. A questão é árdua. De uma forma ou de outra é preciso combinar o igualitarismo e o sistema de trabalho de choque, mas esses dois conceitos se excluem mutuamente. No entanto, estudamos um pouco o marxismo, aprendemos como e quando se pode e se deve unir os contrários, e o que é principal: em nossa revolução, há três anos e meio, unimos os contrários praticamente e em muitas ocasiões.

É claro que é preciso abordar o problema com muita prudência e meditação. Porque já nos lamentáveis plenos do CC*, nos quais se formaram o grupo de sete, o de oito e o famoso "grupo tampão" do camarada Bukhárin, falamos destas questões de princípios e determinamos que não é fácil passar do sistema de trabalho de choque ao igualitarismo. E para cumprir este acordo da Conferencia de setembro, devemos trabalhar um pouco, pois estes conceitos opostos podem ser reunidos de maneira a resultar numa cacofonia ou de maneira a resultar numa sinfonia. O sistema de trabalho de choque equivale a dar preferência a uma produção, entre todas as necessárias, em virtude de sua maior urgência. Em que deve consistir a preferência? Que proporções deve alcançar? Esta é uma questão difícil, e devo dizer que para resolvê-la não basta a dedicação no cumprimento das tarefas, não basta o heroísmo pessoal de quem talvez reúna muitas qualidades excelentes, mas que valerá mais se ocupar o posto que deve ocupar; é preciso saber abordar um problema tão peculiar como este. Se se coloca a questão do sistema de trabalho de choque e igualitarismo, a primeira coisa que deve ser feita é abordá-la com grande prudência, e isso é precisamente o que não se observa no trabalho do camarada Trótsky; quanto mais reelabora suas teses iniciais, mais princípios falsos nelas existem. Eis o que lemos em uma de suas ultimas teses:

"...Na esfera do consumo, isto é, das condições de existência pessoal dos trabalhadores, é preciso aplicar a linha do igualitarismo. Na esfera da produção, o principio do sistema de trabalho de choque continuará sendo para nós ainda durante muito tempo o decisivo..." (teses 41, pag. 31 do folheto de Trótsky).

Isto é uma completa confusão teórica. Isto é totalmente errado. O sistema de trabalho de choque implica numa preferência, mas a preferência sem consumo é uma enteléquia. Se há uma preferência em relação a mim e recebo um oitavo de libra de pão, não necessito dessa preferência para nada. A preferência do sistema de trabalho de choque é também preferência no consumo. Sem isto, o sistema de trabalho de choque é um sonho, uma fantasia, mas nós somos materialistas. E os operários são materialistas; se se fala do sistema de trabalho de choque, é preciso dar pão, roupa e carne. Só assim compreendíamos e continuamos compreendendo estes problemas ao discuti-los centenas de vezes, por motivos concretos, no Conselho de Defesa [3], quando um dirigente quer receber mais dizendo: "Minha fábrica é de choque", e outro replica: "Dê-me mais, porque do contrário os operários de choque de tua fábrica não resistirão e o teu trabalho fracassará".

Assim, pois, em relação com o igualitarismo e o sistema de trabalho de choque, a questão está colocada na tese de modo radicalmente falso. Alem disso, redunda num retrocesso em relação ao que já foi praticamente comprovado e alcançado. Isso não é admissível, e indo por esse caminho não se pode conseguir nada de bom. Outra questão: a do "entrelaçamento". O mais certo, nestes momentos, seria não falar de "entrelaçamento". A palavra é de prata e o silêncio é de ouro. Por quê? Porque praticamente já nos ocupamos do entrelaçamento; não existe nem um Conselho Econômico provincial de importância, nem uma grande seção do Conselho Superior de Economia Nacional, do Comissariado do Povo de Vias de Comunicação, etc, em que não se tenha realizado praticamente o entrelaçamento. Mas os resultados são bons de todo? Aí precisamente está a dificuldade. Estudem a experiência pratica de como se efetuou o entrelaçamento e o que se conseguiu com isso. São tantos os decretos em virtude dos quais se aplicou o entrelaçamento, em uma outra instituição, que não é possível enumerá-los. Mas ainda não soubemos estudar de modo pratico o que resultou disto: o que deu o entrelaçamento em tal ou qual ramo da indústria, quando um membro qualquer de um sindicato provincial passou a ocupar um determinado posto no Conselho Econômico provincial; a que isto conduziu, quantos meses durou este entrelaçamento, etc. Ainda não soubemos estudar com um critério positivo nossa própria experiência pratica. Soubemos inventar uma divergência de principio sobre o entrelaçamento e, além disso, soubemos cometer um erro – nisso somos mestres -, mas não somos capazes de estudar nossa experiência e comprová-la. Pois bem, quando realizarmos congressos dos sovietes, em que, alem de seções para o estudo de zonas agrícolas, do ponto de vista de uma ou outra aplicação da lei de melhoria da agricultura, haja seções para o estudo do entrelaçamento, para o estudo dos resultados do entrelaçamento na indústria moageira da província de Sarátov, ou da metalúrgica em Petrogrado, ou da indústria carvoeira em Donbass, etc; quando estas seções, depois de reunir grande quantidade de materiais, declararem: "estudamos isto e outras coisas mais", então direi: "Sim, começamos a fazer alguma coisa de prático, saímos da infância!" Mas que haverá de mais lamentável e errado, se depois de estar três anos aplicando o entrelaçamento, apresentam-nos umas "teses" em que inventam divergências de principio sobre o assunto? Empreendemos o caminho do entrelaçamento e não duvido que o empreendemos com acerto, mas ainda não estudamos devidamente os resultados de nossa experiência. Por isso a única tática inteligente sobre o problema do entrelaçamento é a de ficar calado.

É preciso estudar a experiência prática. Assinei decretos e dispositivos onde estão contidas indicações sobre entrelaçamentos práticos, e a prática é cem vezes mais importante do que qualquer teoria. Por isso, quando se diz: "Vamos falar de "entrelaçamento" respondo: "Vamos estudar o que fizemos". Não há duvida de que cometemos muitos erros. Também é possível que grande parte de nossos decretos deva ser modificada. Concordo com isto, e não sinto a menor predileção pelos decretos. Mas então apresentem propostas práticas: é preciso refazer uma ou outra coisa. Isto será uma formulação positiva da questão. Isto não será um trabalho improdutivo. Isto não levará a cair na mania burocrática de fazer projetos. Quando vejo no folheto de Trótsky o capitulo VI: "Conclusões práticas", estas conclusões práticas padecem precisamente do referido defeito. Pois nelas afirma-se que devem fazer parte do Conselho Central dos Sindicatos da Rússia e do Presidium do Conselho Superior de Economia Nacional de um terço à metade dos membros que integram ambas as instituições e nas juntas assessoras da metade a dois terços, etc. Por quê? Simplesmente, "de oitava". É natural que, freqüentemente, se façam precisamente em nossos decretos semelhantes correções "de oitava". Mas porque é inevitável que se faça isto nos decretos? Não sou defensor de todos os decretos e não pretendo torná-los melhores do que são na realidade. Há neles, a cada passo, grandezas convencionais tais como metade, um terço dos membros que integram uma e outra instituição, etc, grandezas calculadas a olho. Quando um decreto se diz uma tal coisa, isso significa: experimental fazê-lo assim, pois balancearemos imediatamente os resultados de vossa "experiência". Logo esclareceremos o resultado obtido. Quando tenhamos o resultado esclarecido, poderemos progredir. Estamos aplicando o entrelaçamento e o aplicaremos cada vez melhor, pois somos cada vez mais práticos e experientes.

Mas pelo visto, comecei a enrascar-me na "propaganda dentro da esfera da produção". É inevitável. Falando do papel dos sindicatos na produção, é preciso tocar necessariamente neste problema.

Passo ao ponto da propaganda, no terreno da produção. É também uma questão pratica que colocamos com um critério pratico. Existem instituições estatais para a propaganda no terreno da produção que já foram criadas[4]. Se são boas ou más, não sei, é preciso comprová-las; e de modo algum é necessário escrever "teses" sobre esta questão.

Falando conjuntamente do papel dos sindicatos na produção, no que se refere à democracia nada mais é necessário além do democratismo comum. Artifícios como o da "democracia na produção" são falsos, e nada de útil surgirá deles. Isto em primeiro lugar. Em segundo, a propaganda no terreno da produção. As instituições já estão criadas. As teses de Trótsky falam da propaganda na esfera da produção. Falam em vão, porque as "teses" sobre isto já são uma coisa antiquada. Se a instituição é boa ou má, ainda não o sabemos. Experimentaremos na prática e então falaremos. Vamos estudá-la e pedir pareceres. Suponhamos que se formam no Congresso dez seções compostas de dez membros cada uma: "Tu te ocupaste da propaganda na esfera da produção? Como? Quais os resultados?" Depois de estudar isto, recompensaremos aqueles que alcançaram êxitos e desprezaremos a experiência negativa. Já contamos com uma experiência pratica, escassa, pequena, mas temo-la, e apesar dela, querem fazer-nos voltar atrás, às "teses de principio". Mais que "trade-unionismo", isto é um movimento "reacionário".

Em terceiro lugar, o sistema de prêmios. Esses são o papel e a tarefa dos sindicatos na produção: a concessão de prêmios em espécie. A coisa começou. A coisa está em marcha. Para isto foram destinados quinhentos mil puds de trigo e já fora, distribuídos cento e setenta mil. Não sei se foram bem distribuídos, com justeza. No Conselho de Comissários do Povo informou-se: não se faz bem a distribuição, e em lugar de prêmios verifica-se um aumento de salário; isto foi assinalado tanto pelos dirigentes sindicais, como pelos dirigentes do Comissariado do Povo do Trabalho. Designamos uma comissão para estudar o assunto, mas ela ainda não o fez. Foram distribuídos cento e setenta mil puds de trigo, mas é preciso fazê-lo de maneira que se recompense quem revelou heroísmo, eficiência, talento e grande preocupação como dirigente na esfera da economia, numa palavra quem haja revelado as qualidades de Trótsky louva. Mas trata-se agora não de entoar loas nas teses, mas de dar pão e carne. Não será melhor que, por exemplo, não se entregue a carne a uma determinada categoria de operários e se a distribua em forma de prêmios a outros, aos operários "de choque"? Não desprezamos este sistema de trabalho de choque. Precisamos dele, estudaremos seriamente a experiência pratica de aplicação deste sistema.

Em quarto lugar, os tribunais disciplinadores. O papel dos sindicatos na produção, a "democracia na produção" – diremos ao camarada Bukharim sem espírito de censurá-lo -, são puras bagatelas se não existem tribunais disciplinadores. Mas em vossas teses isto não é visto. Assim, pois, no terreno dos princípios, no terreno teórico e no terreno prático, surge uma só conclusão a propósito das teses de Trótsky e da posição de Bukharin: é uma pena!

Chego ainda mais a esta conclusão quando considero que não colocais a questão de modo marxista. Não é somente o fato de que nas teses haja uma série de erros teóricos. A análise do "papel e das tarefas dos sindicatos" não é marxista porque não se pode abordar um tema tão vasto sem meditar nas particularidades do momento atual em seu aspecto político. Pois não foi em vão que escrevemos, juntamente com o camarada Bukharin, nas resolução do IX Congresso do PC da Rússia sobre os sindicatos, que a política é a expressão mais concentrada da economia.

Analisando o atual momento político, poderíamos dizer que atravessamos um período de transição dentro do período de transição. Toda a ditadura do proletariado é um período de transição, mas agora, temos, como se diz, toda uma série de novos períodos transitórios. Desmobilização do exército, término da guerra, possibilidade de uma trégua pacífica muito mais prolongada do que antes, possibilidade de passar mais firmemente da frente da guerra para a frente do trabalho. Só por isto, somente por isto, muda a atitude da classe proletária em face da classe camponesa. Como muda? Isto é preciso ser examinado com a maior atenção, coisa que não fazeis em vossas teses. E enquanto não o examinarmos assim, é preciso saber esperar. O povo está mais que cansado, toda uma série de reservas que deveriam ser consumidas por algumas indústrias de choque já estão esgotadas, modifica-se a atitude do proletariado em relação aos camponeses. O cansaço da guerra é imenso, as necessidades aumentaram, mas a produção não foi incrementada, ou foi incrementada de maneira insuficiente. Por outro lado, eu indicava, em meu informe ao VIII Congresso dos Sovietes, que aplicamos com acerto e resultado a coerção, quando soubemos baseá-la, antes de tudo, em um trabalho de persuasão. Devo dizer que Trótsky e Bukharin não levaram absolutamente em conta esta importantíssima consideração.

Soubemos colocar todas as novas tarefas da produção sobre uma base devidamente ampla e sólida de trabalho de persuasão? Não, apenas começamos a fazê-lo. Ainda não soubemos atrair as massas. Mas podem as massas passar imediatamente a cumprir estas novas tarefas? Não podem, porque a questão, suponhamos, de que se é preciso acabar com o latifundiário Wrangel e de que para isto é necessário sacrifícios, uma tal questão não requer propaganda especial; mas quanto à questão do papel dos sindicatos na produção – se se considera não o problema "de princípio", não as divagações sobre o "trade-unionismo soviético" e outras ninharias, mas o aspecto prático do problema -, não fomos além de começar a elaborá-la, nada mais fizemos do que recriar a instituição para realizar a propaganda na esfera da produção; ainda não temos experiência. Estabelecemos os prêmios em espécie, mas ainda necessitamos e experiência. Criamos os tribunais disciplinadores, mas ainda desconhecemos os seus resultados. E do ponto de vista político, o mais importante é, certamente, s preparação das massas. A questão, sob este ponto de vista, já foi estudada, meditada, balanceada? Absolutamente. E nisto está o erro político radical, profundíssimo e perigoso, porque nesta questão, mais que em qualquer outra, é preciso atuar segundo a regra que diz: "medir sete vezes antes de cortar"; mas puseram-se a cortar de sem haver medido uma só vez. Dizem que "o Partido deve escolher entre duas tendências", mas não mediram ainda uma só vez e passaram a inventar a falsa palavra de ordem da "democracia na produção".

É preciso compreender o significado desta palavra de ordem, sobretudo num momento político em que o burocratismo aparece diante das massas com toda a clareza e quando colocamos na ordem do dia a questão relacionada com isto. O camarada Trótsky diz nas teses que, quanto à questão da democracia operária, ao Congresso "não lhe resta mais do que registrar o seu parecer unânime". Isto é falso. Não basta registrar; registrar significa sancionar o que foi bem balanceado e medido, enquanto que a questão de democracia na produção ainda está muito longe de haver sido balanceada a fundo, não está experimentada, não está comprovada. Pensai na interpretação que as massas podem dar, quando se proclama a palavra de ordem da "democracia na produção".

"Nós, homens médios, homens da massa, dizemos que é preciso renovar, que é preciso corrigir, que é preciso derrubar os burocratas, e tu tratas de desorientar-nos dizendo que nos dediquemos a produção, que destaquemos a democracia nos êxitos da produção; mas eu não quero trabalhar com este pessoal burocrático das administrações, das direções gerais, etc, mas com outro pessoal." Não deixastes que as massas falassem, assimilassem e pensassem, não deixastes que o Partido adquirisse nova experiência, e já sentis pressa, exagerais o tom e criais fórmulas que são falsas do ponto de vista teórico. E como não serão acentuados estes erros pelos executores excessivamente zelosos! Um dirigente político não responde apenas pelo modo como dirige, mas também por aquilo que fazem os dirigidos por ele. Isto, às vezes, ele não o sabe, e freqüentemente não o quer saber, mas a responsabilidade recai sobre ele.

Passo agora a tratar dos plenos do Comitê Central, de novembro (dia 9) e dezembro (dia 7), que expressaram todos estes erros não como postulados lógicos, como premissas, como raciocínios teóricos, mas na ação. No Comitê Central fez-se uma mistura e uma confusão; era a primeira vez que tal coisa ocorria na história de nosso Partido, durante a revolução, e isto era preciso. A questão reside em que se deu uma divisão, surgiu o grupo "tampão" de Bukharin, Preobrajenski e Serebriakov, o grupo que mais prejuízo causou e que mais embrulhou as coisas.

Recordai a historia da Seção Política Geral do Comissariado do Povo das Vias de Comunicação75 e a do Comitê Central do Sindicato do Transporte 76. Na resolução do I Congresso do PC de Toda a Rússia, em abril de 1920, dizia-se que a Seção Política Geral do Comissariado do Povo de Vias de Comunicação era criada na qualidade de instituição "temporária", e que "no prazo mais curto possível era necessário passar a normalização da situação. Em setembro, lia-se: "Passemos a uma situação normal" **. Em novembro (dia 9) o pleno se reuniu e Trótsky apresentou suas teses, suas divagações sobre o trade-unionismo. Por mais excelentes que fossem algumas de suas frases com respeito a propaganda na esfera da produção, era preciso dizer que tudo aquilo não vinha ao acaso, não tinha sentido prático, constituía um passo atrás e não era possível nos ocuparmos disso no Comitê Central do Partido. Bukharin disse: "Isto está muito bem". Pode ser que estivesse muito bem, mas isso não era uma resposta. Depois de acalorados debates foi aprovada uma resolução por dez votos contra quatro, em que se dizia, em forma correta e cordial, que o próprio Comitê Central do Sindicato do Transporte "já havia colocado na ordem-do-dia" a necessidade de "reforçar e desenvolver os métodos da democracia proletária dentro do sindicato". Dizia-se que o Comitê Central do Sindicato de Transporte devia "tomar parte ativa no trabalho geral do Conselho Central dos Sindicatos da Rússia, fazendo parte dele com os mesmos direitos que os demais sindicatos".

Qual era a idéia fundamental desta resolução do CC? É clara: " Camaradas do Comitê Central do Sindicato do Transporte: cumprir os acordos do Congresso e do CC do Partido não de um modo formal, mas concretamente, para ajudar com vosso trabalho tosos os sindicatos, para que não fique nem o rastro do burocratismo, de preferência, de vaidades, como a manifestada pelos que dizem: somos melhores que vós, recebemos mais ajuda".

Depois disto passamos ao trabalho prático. Quando já estava constituída a comissão e se publicara a lista de seus componentes, Trótsky retirou-se dela, impediu o seu funcionamento, não quis colaborar com ela. Por quê? Só havia uma razão: Lutovinov só costuma jogar na oposição. É certo. E Osinski também. Isto é um jogo desagradável, digo conscientemente. Mas isto, por acaso, era um motivo? Osinski organizou perfeitamente a campanha de sementes. Era preciso trabalhar com ele, apesar de sua "campanha oposicionista", e um comportamento como esse, de fazer fracassara comissão, é burocrático, não soviético, não socialista, desatinado e politicamente funesto. No momento em que é necessário estabelecer um limite claro entre os elementos sãos e os elementos nocivos da "oposição", esse comportamento é três vezes desatinado e politicamente funesto. Quando Osinski desencadeia a "campanha oposicionista", digo-lhe: "é uma campanha funesta"; mas quando desenvolve a campanha de sementes, é preciso felicitá-lo. Nunca negarei que Lutovinov comete um erro com sua "campanha oposicionista", da mesma maneira que Ischenko e Shliapnikov, mas isto não é motivo para fazer a comissão fracassar.

Qual o significado exato desta comissão? Significava a passagem das divagações com pretensões intelectuais sobre divergências sem substância para um trabalho prático. Propaganda na esfera da produção, prêmios, tribunais disciplinadores: disso é que se devia falar, nisso tinha que trabalhar a comissão. Mas foi então que o camarada Bukharin, chefe do "grupo tampão, com Preobrajensk e Serebriakov, vendo a perigos divisão surgida no CC do Partido, pôs-se a criar um tampão, um tal tampão que não encontro um termo parlamentar para qualificá-lo. Se soubesse fazer caricaturas como o camarada Bukharin, mostraria o camarada Bukharin com um balde de petróleo, jogando o liquido no fogo, e poria esta legenda: "O petróleo do tampão". O camarada Bukharin quis criar alguma coisa; não há duvida de que o seu desejo era o mais sincero e "tamponador" possível. Mas não redundou em um tampão, redundou em que não levou em conta o momento político, e, por conseguinte, incorreu em erros teóricos.

Havia necessidade de levar todos esses debates a uma ampla discussão, de ocupar-se de semelhante ninharia e desperdiçar semanas tão preciosas para nós na vésperas co Congresso do Partido? Durante esse tempo poderíamos ter elaborado o estudo a questão dos prêmios, dos tribunais disciplinadores e do entrelaçamento. Teríamos resolvido estas questões com um sentido prático na comissão do CC do Partido. Se o camarada Bukharin queria criar um tampão e não desejava encontrar-se na situação da pessoa que se enganou de porta, teria que haver dito e insistido que o camarada Trótsky não abandonasse a comissão. Se houvesse dito e feito isto, teríamos empreendido um caminho positivo e haveríamos esclarecido, nesta comissão, como deve ser na realidade a direção unipessoal, como deve ser a democracia, quais são os que devem ser designados para os cargos, etc.

Prossigamos. Em dezembro (pleno do dia 7) deu-se o choque com os dirigentes do transporte fluvial e marítimo, que veio agravar o conflito, e como resultado disso no Comitê Central do Partido uniram-se oito votos contra os nossos sete. O camarada Bukharin escreveu apressadamente a parte "teórica" da resolução do pleno de dezembro, tratando de "apaziguar" e de fazer funcionar o "tampão", mas é claro que depois do fracasso da comissão não podia resultar disso nada de proveitoso. É preciso recordar que um dirigente político não responde apenas por sua política, mas também pelo que fazem os que são dirigidos por ele.

Muito bem, em que consistiu o erro da Comissão Política Geral do Comissariado do Povo de Vias de Comunicação e do Comitê Central do Sindicato dos Transportes? Não consistiu absolutamente em haver aplicado a coerção; ao contrário, nisto reside o seu mérito. Seu erro foi não saber passar, em tempo e sem conflitos, segundo exigia o IX Congresso do PCR, para um trabalho sindical normal, foi não saber adaptar-se, como devia, aos sindicatos, foi não saber ajudá-los, estabelecendo com eles relações em pé de igualdade. Há uma valiosa experiência dos tempos da guerra civil: heroísmo, grande zelo no cumprimento das tarefas, etc. É um aspecto negativo na experiência dos piores elementos dessa mesma época de guerra: o burocratismo, a vaidade. As teses de Trótsky, apesar de sua consciência e de sua vontade, não defendem o melhor aspecto da experiência dos tempos de guerra, mas seu aspecto mais negativo. É preciso relembrar que um dirigente político não responde apenas por sua política, como também por aquilo que seus dirigidos façam.

A última coisa que queria dizer-lhe, e de que ontem tive que me criticar, é que passei por alto nas teses do camarada Rudzutak. Rudzutak tem o defeito de não saber falar alto, de maneira persuasiva e com beleza. É fácil não prestar atenção, não se inteirar do que ele diz. Ontem, ao não poder assistir a reunião, repassei meus papéis e encontrei entre eles a folha editada a propósito da V Conferência de Sindicatos de Toda Rússia, reunida de 2 a 6 de novembro de 1920. Esta folha tem como título: As Tarefas dos Sindicatos na Produção. Vou lê-las, o texto é muito grande:




À V CONFERÊNCIA DE SINDICATOS DE TODA A RÚSSIA

As tarefas dos sindicatos na produção

Teses do informe do camarada Rudzutak

imediatamente após a Revolução de Outubro, os sindicatos tornaram-se quase os únicos organismos que, ao lado da aplicação do controle operário, podiam e deviam assumir a tarefa de organizar e dirigir a produção. No primeiro período do poder soviético, o aparelho estatal de direção da economia nacional ainda não estava organizado, e a sabotagem dos donos das empresas e do pessoal técnico superior colocou com premência, ante a classe operária, as tarefas de manter a indústria e de restabelecer o funcionamento normal de todo o aparelho econômico do país.
No período seguinte de trabalho do Conselho Superior de Economia Nacional, quando uma parte considerável deste trabalho se reduzia à liquidação das empresas privadas e à organização da direção destas pelo estado, os sindicatos realizaram este trabalho junto e conjuntamente com os organismos estatais de direção econômica.
A debilidade dos organismos estatais não só explicava, mas além disso, justificava semelhante paralelismo; historicamente, esse paralelismo estava justificado por haver-se estabelecido um completo contacto entre os sindicatos e os organismos de direção econômica.

A direção dos organismos econômicos do Estado e a dominação gradual por estes do aparelho da produção, direção e coordenação das diferentes partes deste aparelho, tudo isso fez com que passasse para os referidos organismos o centro de gravidade do trabalho de direção da indústria e de elaboração do programa de produção. Em virtude disso, o trabalho dos sindicatos na esfera da organização da produção se reduziu à participação na formação de juntas assessoras das direções gerais, departamentos centrais e administrações das fábricas.
Atualmente, voltamos novamente a abordar de cheio a questão relativa ao estabelecimento da mais estreita ligação entre os organismos econômicos da República soviética e os sindicatos, quando é necessário a todo custo utilizar racionalmente cada unidade de trabalho e incorporar todos os trabalhadores a uma participação consciente no processo de produção; quando o aparelho estatal da direção econômica, ao crescer e complicar-se paulatinamente, converteu-se em uma máquina burocrática desproporcional, enorme em comparação com a própria produção, e quando impulsiona inevitavelmente os sindicatos a tomarem parte direta na organização da produção, não só através da representação pessoal nos organismos econômicos, senão como tal organização em seu conjunto.
Se o Conselho Superior de Economia Nacional focaliza a fixação do programa geral de produção partindo dos elementos materiais de produção existentes (matéria-prima, combustível, estado da maquinaria, etc), os sindicatos devem encarar este problema do ponto de vista da organização do trabalho com vistas às tarefas de produção e à utilização racional deste. Por isso, o programa geral de produção, por partes e em seu conjunto, deve ser traçado com a participação clara dos sindicatos a fim de combinar do modo mais conveniente o aproveitamento dos recursos materiais da produção e do trabalho.
A implantação de uma efetiva disciplina de trabalho e a luta eficaz contra os casos de deserção do trabalho, etc, só são concebíveis com a participação consciente de todos os produtores no cumprimento das tarefas. Os métodos burocráticos e as ordens de cima não conseguem isto, ou melhor, é necessário que cada trabalhador compreenda a necessidade e a conveniência das tarefas a serem cumpridas na produção; é necessário que cada produtor não somente participe no cumprimento das tarefas indicadas de cima, mas que tome parte, conscientemente, na correção de todas as dificuldades técnicas e de organização, na esfera da produção.
As tarefas dos sindicatos nesse terreno são enormes. Eles devem ensinar os seus membros, em cada oficina e em cada fábrica, a descobrir e levar em conta todos os defeitos no aproveitamento da mão-de-obra, derivados de uma utilização desacertada dos meios técnicos de um trabalho administrativo deficiente. A soma da experiência das diferentes empresas e da produção deve ser utilizada para uma luta contra a papelada, a negligência e o burocratismo.

Para assinalar, especialmente, a importância destas tarefas de produção, do ponto de vista da organização, devem os sindicatos ocupar um posto determinado no trabalho corrente. As seções econômicas, que em virtude de um acordo do III Congresso de Toda a Rússiaestão sendo organizadas anexas aos sindicatos, ao desenvolver o seu trabalho devem deixar claro e determinar paulatinamente o caráter de todo o trabalho sindical. Assim, por exemplo, nas atuais condições sociais, quando toda a produção encaminhar-se para satisfazer as necessidades dos próprios trabalhadores, as quotas de salários e os prêmios devem manter a mais estreita conexão e dependência com o grau do cumprimento do plano de produção. O sistema de prêmios em espécie e o pagamento de uma parte do salário em espécie devem converter-se gradualmente em um sistema de abastecimento dos operários em função do nível alcançado pela produtividade do trabalho.
Esta forma de encarar o trabalho dos sindicatos, deve, de um lado, pôr fim à existência de organismos paralelos (seções políticas, etc) e, de outro, restabelecer a estreita conexão das massas com os organismos de direção econômica.
Depois do II Congresso, os sindicatos não conseguiram aplicar em grau considerável o seu programa no que se refere à sua participação na edificação da economia nacional, devido, de um lado, às condições próprias do tempo de guerra, e, de outro, em conseqüência de sua debilidade orgânica e por estarem desligados do trabalho dirigente e prático dos organismos econômicos.
Por isso, os sindicatos devem propor as seguintes tarefas práticas imediatas: a) participação mais ativa na solução dos problemas da produção e da direção; b) participação direta, conjuntamente com os organismos econômicos, na constituição de organismos competentes de direção; c) estudo minucioso e influência dos diferentes tipos de direção na produção; d) participação obrigatória na elaboração e no estabelecimento dos planos econômicos e programas de produção; e) organização do trabalho em relação com o grau de urgência das tarefas econômicas; f) desenvolvimento de uma organização da agitação e propaganda na esfera da produção.
É necessário que as seções econômicas anexas aos sindicatos e às organizações sindicais se convertam efetivamente em poderosos meios que atuem com rapidez para assegurar a participação sistemática dos sindicatos na organização da produção.
Com o objetivo de regulamentar o abastecimento material dos operários, é necessário que os sindicatos transfiram sua influência para os organismos de distribuição do Comissariado do Povo de Abastecimento, tanto locais como central, tornando efetivo a participação prática e eficiente e o controle em todos os organismos de distribuição, dando especial atenção à atividade das comissões de abastecimento operário centrais e provinciais.
Uma vez que o chamado "sistema de trabalho de choque", devido à compreensão estreita por parte das diferente direções gerais, departamentos centrais, etc, já adquiriram o mais desordenado caráter, é preciso que os sindicatos se mobilizem em toda parte em defesa da aplicação efetiva do referido sistema de trabalho na economia e da revisão do sistema vigente de determinação do trabalho de choque em relação com a importância da respectiva produção, tendo em conta os recursos materiais existentes no país.
É necessário encontrar, especialmente, a atenção do chamado grupo-modelo de empresa, fazendo com que sejam verdadeiramente modelo mediante a criação de uma direção competente, a observação da disciplina de trabalho e o trabalho de organização sindical.
Em virtude da organização do trabalho, além de estabelecer um sistema regular de tarifas de salários e de revisar em todos os aspectos as normas de rendimento, é preciso que os sindicatos tomem firmemente em suas mãos a luta contra os diferentes casos de deserção do trabalho (ausência ao trabalho, falta de pontualidade, etc). Os tribunais disciplinadores, aos quais até agora não se dedicou a devida atenção, devem ser transformados em um meio eficaz de luta contra a infração da disciplina proletária no trabalho.
O cumprimento das tarefas enumeradas, bem como a elaboração de um plano prático de propaganda na esfera da produção e de diversas medidas para melhorar a situação econômica dos operários, devem recair sobre as seções econômicas. Por isso, é necessário recomendar à seção econômica do Conselho Central dos Sindicatos da Rússia que convoque com brevidade uma conferência de seções econômicas de toda a Rússia para examinar as questões práticas da edificação econômica em conexão com o trabalho dos organismos econômicos do Estado.



Espero que agora compreendereis por que tive que censurar-me. Isto, sim, é uma plataforma, cem vezes melhor do que escreveu o camarada Trótsky, depois de haver pensado muito, e do que escreveu o camarada Bukharin (resolução do 7 de dezembro), sem haver pensado nada. Todos nós, membros do Comitê Central, que não trabalhamos durante muitos anos no movimento sindical, teríamos que aprender com o camarada Rudzutak, e o camarada Trótsky e o camarada Bukharin também teriam que aprender com ele. Os sindicatos adotaram esta plataforma.

Todos nós esquecemos os tribunais disciplinadores, mas "a democracia na produção" sem prêmios em espécie e sem tribunais disciplinadores é puro palavrório.

Comparo as teses de Rudzutak com as teses que Trótsky apresentou no Comitê Central. No final da quinta tese leio: "...é necessário levar a cabo agora mesmo a reorganização dos sindicatos, isto é, sobretudo a seleção do pessoal dirigente, parindo precisamente deste ponto de vista..."

Isso é verdadeiramente burocracia! Trótsky e Krestinski selecionando o "pessoal dirigente" dos sindicatos!

Aí tende, mais uma vez, a explicação do erro do Comitê Central do Sindicato do Transporte. Mas seu erro não consiste em haver aplicado a coerção; nisto consiste o seu mérito. O erro consiste em não haver sabido abordar as tarefas gerais de todos os sindicatos, em não haver o próprio Comitê Central do Sindicato do Transporte sabido passar, e ajudar todos os sindicatos a passarem a uma aplicação mais acertada, rápida e eficaz dos tribunais disciplinadores de honra. Quando li o que se diz dos tribunais disciplinadores nas teses do camarada Rudzutak, pensei: certamente há um decreto sobre isto. E, efetivamente, há um decreto. A "disposição sobre os tribunais disciplinadores de honra" foi ditada a 14 de novembro de 1919 (Código de leis, n.o537).

Nestes tribunais corresponde aos sindicatos um papel da maior importância. Eu não sei se estes tribunais são bons, nem se seu funcionamento é eficaz, nem se atuam em todos os casos. Se estudássemos nossa própria experiência prática, seria um milhão de vezes mais útil do que tudo aquilo que os camaradas Trótsky e Bukharin escreveram.

Termino. Resumindo, devo dizer que levar estas divergências a uma ampla discussão no Partido e ao congresso do Partido é um erro tremendo. É um erro do ponto de vista político. Na comissão, e somente na comissão, haveríamos procedido a um exame prático e dado passos adiante, mas agora marchamos para trás, e durante várias semanas marcharemos para trás, para teses teóricas abstratas, em lugar de abordar a tarefa com critério realista. No que toca a mim, isto me repugna ao máximo e de boa vontade afastar-me-ia independentemente de meu estado de saúde; estou disposto a retirar-me para qualquer parte.

Conclusões: nas tarefas de Trótsky e Bukharin há toda uma série de erros teóricos. Uma série de inexatidões de princípio. Politicamente, toda a análise da questão equivale a uma absoluta falta de tato. "As teses" do camarada Trótsky são uma coisa nefasta no sentido político. Sua política, em suma, é uma política de limitação burocrática dos sindicatos. Estou seguro de que o congresso de nosso Partido condenará e rechaçará esta política (calorosos e prolongados aplausos).

Publicado em separata em 1921. Encontra-se in Obras, t. XXXII, págs. 1/22.




[1] LÊNIN, V.I. "Sobre os sindicatos". São Paulo: Polis, 1979. (Col. Teoria e História, 4). Discurso na sessão conjunta de delegados ao VIII Congresso dos Sovietes e de membros do Conselho de Sindicatos de Moscou militantes do PC(b) da Rússia. Esse discurso foi a primeira intervenção de Lênin diante do ativo do Partido na discussão relativa ao papel e as tarefas dos sindicatos. Trótsky foi o promotor da discussão e da luta contra Lênin e contra o Partido. Depois de Trótsky, interviram também outros grupos anti-Partido. Na discussão sobre os sindicatos, os Trotskystas e todos os demais oposicionistas foram derrotados. As organizações do Partido cerraram fileiras em torno de Lênin e se solidarizaram com a plataforma leninista. -288

[2] Smolni: edifício do antigo Instituto do mesmo nome em Petrogado, residência do governo soviético antes de sua transferência para Moscou, em Março de 1918. 291

[3] O Conselho de Defesa foi criado pelo Comitê Executivo Central de Toda a Rússia a 30 de novembro de 1918, para dirigir todo o trabalho de defesa na frente e na retaguarda. Lênin foi designado presidente. Liquidadas as frentes principais, o Conselho de Defesa foi transformado em abril de 1920 em Conselho de Trabalho e Defesa. Depois de terminada a guerra civil, por aprovação do VIII Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia (1920), o Conselho de Trabalho e Defesa passou a funcionar como uma comissão do Conselho de Comissários do Povo e perdurou até fins de 1936. - 297

[4] Refere-se ao birô de toda a Rússia para a propaganda na esfera da produção, anexo ao Conselho Central dos Sindicatos da Rússia. - 299




*Refere-se aos plenos do CC de novembro e dezembro de 1920. Vejam-se os textos de suas resoluções nos números 255 e 281 de Pravda, de 13 de novembro, e 14 de dezembro, e a informação do n.o 26 de Izvestia do CC do PCR, de 20 de dezembro do mesmo ano.




** Veja-se Izvestia do CC do PCR, no 26, pág. 2, resolução do pleno de setembro do CC, ponto : "O CC é de opinião que atualmente melhorou consideravelmente a grave situação dos sindicatos do transporte que motivou a criação da Seção Política Geral do Comissariado do Povo de Vias de Comunicação e da Direção Política Geral do Transporte Fluvial e Marítimo77, recursos temporários para garantir a boa marcha do trabalho. Por isso, agora se pode e se deve iniciar o trabalho tendente a incluir estas organizações no sindicato como organismos ajustados ao aparelho sindical e fundidos com ele".
"Tudo que sei é que não sou marxista"

Sergio Granja

Karl Marx: "Tudo que sei é que não sou marxista"
A frase foi dita pelo próprio Marx, a propósito "dos marxistas franceses do fim dos anos 70" (séc. XIX) que, segundo Engels, se serviam da concepção materialista da história como "pretexto para não estudar a história".1 E, ao que parece, a mania grassava um pouco por toda a parte:
"De um modo geral, a palavra 'materialismo' serve para muitos escritores novatos na Alemanha de simples frase com a qual se etiqueta toda espécie de coisas sem estudá-las antecipadamente, pensando que basta colar essa etiqueta para que tudo seja dito."
Contra isso, Engels adverte: "Ora, nossa concepção da história é, antes de tudo, uma diretiva para o estudo, e não uma alavanca para construções à maneira dos hegelianos."2
Para o parceiro de Marx, "o método materialista se transforma em seu contrário cada vez que se o emprega não como um fio condutor da investigação histórica, mas como um modelo pronto com a ajuda do qual se cortam e recortam os fatos históricos".3
Em outra ocasião, Engels esclarece o materialismo histórico do seguinte modo:
"[...] De acordo com a concepção materialista da história, o fator determinante na história é, em última instância, a produção e a reprodução da vida real. Nem Marx nem eu nunca afirmamos mais do que isso. Se alguém desnaturou essa posição no sentido de que o fator econômico é o único determinante, transformou-a assim em uma frase oca, abstrata, absurda. A situação econômica é a base, mas os diversos elementos da superestrutura, as formas políticas da luta de classes e seus resultados - as constituições estabelecidas uma vez a batalha ganha pela classe vitoriosa, etc. - as formas jurídicas, e mesmo os reflexos de todas essas lutas reais no cérebro dos participantes, teorias políticas, jurídicas, filosóficas, concepções religiosas e seu desenvolvimento ulterior em sistemas dogmáticos, exercem igualmente sua ação sobre o curso das lutas históricas e, em muitos casos, as determinam de maneira preponderante na forma. Há interação de todos esses fatores no seio dos quais o movimento econômico finalmente abre seu caminho como uma necessidade, através de uma multiplicidade infinita de contingências (quer dizer, de coisas e acontecimentos cuja ligação interna entre si é tão distante ou tão difícil de demonstrar que podemos considerá-las como inexistentes ou ignorá-las). Senão, a aplicação da teoria a qualquer período histórico seria, creio, mais fácil do que a resolução de uma simples equação do primeiro grau.
"Nós fazemos nossa história, mas de acordo com premissas e em condições muito bem determinadas. Entre todas, são as condições econômicas que são finalmente determinantes. Mas as condições políticas, etc., por vezes a própria tradição que assombra o cérebro dos homens, jogam igualmente um papel, se bem que não decisivo. São igualmente as causas históricas e, em última instância, econômicas que formaram o Estado prussiano e que continuaram a desenvolvê-lo. Mas dificilmente se poderia pretender, sem ser pedante, que, entre os numerosos pequenos Estados da Alemanha do Norte, seria precisamente o Brandebourg que estava destinado pela necessidade econômica, e ainda não por outros fatores (sobretudo por essa circunstância que, graças à posse da Prússia, o Brandebourg estava envolvido nos negócios poloneses e através deles implicado nas relações políticas internacionais, que são igualmente decisivas na formação da potência da Casa da Áustria), a se tornar a grande potência na qual se encarnou a diferença na economia, na língua e também, depois da Reforma, na religião entre o Norte e o Sul. Dificilmente se chegará a explicar economicamente, sem ser ridículo, a existência de cada pequeno Estado alemão do passado e do presente, ou ainda a origem da mutação consonantal do alto-alemão, que alargou a linha de partição geográfica constituída pelas cadeias de montanhas dos Sudetes ao Taunus, até fazer uma verdadeira falha atravessando toda a Alemanha.
"Mas, em segundo lugar, a história se faz de tal maneira que o resultado final resulta sempre dos conflitos de um grande número de vontades individuais, cada uma das quais, por seu turno, é feita tal qual é por uma multiplicidade de condições particulares de existência; há aí inumeráveis forças que se contra-arrestam mutuamente, um grupo infinito de paralelogramas de forças, do qual sai uma resultante - o acontecimento histórico - que pode ser vista, por sua vez, como o produto de uma força agindo como um todo, de maneira inconsciente e cega. Pois, o que cada indivíduo quer é impedido por cada outro e o resultado é alguma coisa que ninguém quis. É assim que a história tem se desenvolvido até nossos dias como se fosse um processo natural e submetida assim, substancialmente, às suas mesmas leis de movimento. Mas, em razão das diversas vontades - cada uma deseja o que impele sua constituição física e as circunstâncias exteriores, econômicas em última análise (ou suas próprias circunstâncias pessoais ou as circunstâncias sociais gerais) -, essas vontades não chegam ao que querem, mas se fundem em uma média geral, em uma resultante comum, não se tem o direito de concluir que elas são iguais a zero. Ao contrário, cada uma contribui para a resultante e, a esse título, está inclusa nela.
"Por outro lado, gostaria de suplicar que estudem essa teoria nas fontes originais e não de segunda mão; é verdadeiramente mais fácil. Marx raramente escreveu alguma coisa em que ela não jogue o seu papel. Mas, em particular, O 18 Brumário de Louis Bonaparte é um excelente exemplo de sua aplicação.. NoCapital, ela é revisitada seguidamente. A seguir, permito-me enviá-los igualmente a minhas obras: O Senhor Eugen Dühring subverte a ciência e Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã, nas quais faço a exposição mais detalhada do materialismo histórico de que tenho conhecimento.
"É em parte de Marx e minha, a responsabilidade pelo fato de, às vezes, os jovens darem um peso maior do que o devido ao lado econômico. Face a nossos adversários, precisávamos sublinhar o princípio essencial negado por eles, e então nem sempre dispúnhamos do tempo, do espaço ou da ocasião de dar lugar aos outros fatores que participam da ação recíproca. Mas quando se tratava de apresentar um trecho da história, quer dizer, de passar à aplicação prática, a coisa mudava e não havia erro possível. Mas, infelizmente, acontece muito frequentemente que se acredite ter compreendido perfeitamente uma nova teoria e poder manejá-la sem dificuldade, desde que se tenha apropriado de seus princípios essenciais; e isso nem sempre é exato. Eu não posso eximir dessa recriminação a mais de um de nossos 'marxistas' recentes, e também é preciso dizer que se tem feito coisas singulares [...]"4
E Engels diz ainda:
"Ocorre com os reflexos econômicos, políticos e outros, assim como com os reflexos no olho humano, que eles atravessam uma lente convexa e, em consequência, adquirem uma forma invertida, de pernas pro ar. A única diferença é que falta um sistema nervoso que os reponha de pé na representação que se tem deles. O homem do mercado mundial só vê as flutuações da indústria e do mercado mundial sob a forma do reflexo invertido do mercado monetário e do mercado de valores, e então o efeito torna-se causa em seu espírito. Já vi isso em Manchester nos anos 40: para compreender a marcha da indústria, com suas máxima e mínima periódicas, o curso da bolsa de Londres era absolutamente inutilizável, porque esses senhores queriam explicar tudo pelas crises do mercado de dinheiro, que, entretanto, na maior parte do tempo, não eram mais do que sintomas. Tratava-se, então, de demonstrar que o nascimento das crises industriais não tinha nada a ver com uma superprodução temporária, e a coisa tomava, então, um caráter tendencioso, que incitava a falsificações. Hoje em dia, esse elemento desaparece - ao menos para nós, de uma vez por todas - e, por outro lado, é um fato que o mercado de dinheiro também pode ter suas próprias crises, para as quais as perturbações produzidas diretamente na indústria não jogam nenhum papel; nesse domínio, resta ainda muitas coisas a estabelecer e estudar, em particular no que concerne à história dos últimos vinte anos.
"Onde há divisão do trabalho em escala social, há também independência dos trabalhos parciais, uns em relação aos outros. A produção é o fator decisivo em última instãncia. Mas, ao mesmo tempo que o comércio dos produtos torna-se independente da produção propriamente dita, ele obedece a seu próprio movimento, que certamente domina, a grosso modo, o processo de produção, mas que, no detalhe, e no interior dessa dependência geral, não obedece menos a suas próprias leis, que têm sua origem na natureza desse fator novo. Ele possui suas próprias fases e reage, por seu lado, sobre o processo de produção."5
Na perspectiva da divisão social do trabalho, Engels faz uma autocrítica:
"[...] nos dedicamos inicialmente a deduzir as representações ideológicas - políticas, jurídicas e outras -, assim como as ações por elas condicionadas, dos fatos econômicos que estão na sua base, e tínhamos razão. Mas, considerando o conteúdo, fomos negligentes com a forma: a maneira pela qual se constituem essas representações, etc. [...]"
E, em seguida, esclarece sobre a ideologia.
"A ideologia é um processo que o dito pensador realiza com consciência, sem dúvida, mas com uma consciência falsa. As forças motrizes verdadeiras que o colocam em movimento permanecem desconhecidas para ele, se não esse não seria um processo ideológico. Também se imaginam forças motrizes falsas ou aparentes. Pelo fato de se tratar de um processo intelectual, deduz por aí o conteúdo e a forma do pensamento puro, quer seja de seu próprio pensamento ou o de seus predecessores. É exclusivamente um assunto dos materiais intelectuais; sem vê-los de mais perto, considera-se que esses materiais são provenientes do pensamente e não se ocupa de pesquisar se têm qualquer outra origem mais distante e independente do pensamento. Essa maneira de proceder é para si a própria evidência, pois todo ato humano realizando-se por intermédio do pensamento aparece em última instância fundado igualmente sobre o pensamento.
"O ideólogo historiador (historiador deve ser aqui um vocábulo coletivo para: político, jurista, filósofo, teólogo, breve, por todos os domínios pertencentes à sociedade e não somente à natureza) tem portanto em cada domínio científico uma matéria que se formou de maneira independente no pensamento de gerações anteriores e que evoluiu de maneira independente no cérebro dessas gerações sucessivas. Fatos exteriores pertencem, é verdade, a esse domínio ou, por outra parte, bem que podem ter contribuído para determinar esse desenvolvimento, mas esses fatos reconhecem tacitamente ser, não fossem, por sua vez, por eles mesmos, simples frutos de um processo intelectual, de sorte que continuamos a estar sempre no reino do pensamento puro que felizmente digeriu até mesmo os fatos mais cabeçudos.
"É essa aparência de história independente das constituições de Estado, dos sistemas jurídicos, das concepções ideológicas em cada domínio particular que cega, acima de tudo, a maior parte das pessoas."6
Essas citações foram retiradas do volume de correspondência de Marx e Engels. Sobre essa correspondência, Lênin diz que
"o rico conteúdo teórico do marxismo se desenvolve aí com uma clareza extraordinária, pois Marx e Engels retornam várias vezes em suas cartas aos aspectos mais diversos de sua doutrina, sublinhando e esclarecendo - às vezes discutindo e persuadindo um ao outro - os pontos mais recentes (em relação às visões anteriores), os mais importantes, os mais difíceis".7
Aqui, Lênin referfe-se ao marxismo como "doutrina", conceito que Engels preferiria evitar:
"Todavia, a concepção de Marx, em seu todo, não é uma doutrina, mas um método. Não fornece dogmas fechados, mas os pontos de partida para o estudo ulterior e o método para essa pesquisa."8
Pretendemos, futuramente, retornar à correspondência de Marx e Engels, com vistas a contribuir para o debate teórico e a formação intelectual dos leitores.
Notas:
1 Carta de Engels a C. Schmidt, 5 de agosto de 1890 (Correspondance: 448)
2 Idem: 449
3 Carta de Engels a P. Ernst, 5 de junho de 1890 (Correspondance: 446)
4 Carta de Engels a J, Bloch, 21-22 de setembro de 1890 (Correspondance: 452-454)
5 Carta de Engels a C. Schmidt, 27 de outubro de1890 (Correspondance: 454-455)
6 Carta de Engels a F. Mehring, 14 de julho de 1893 (Correspondance: 499-500)
7 LÉNINE, V. OEuvres, Paris-Moscou, t. 19, p. 593
8 Carta de Engels a W. Sombart, 11 de março de 1895 (Correspondance: 522)
Bibliografia:
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Correspondance (1844-1895), Moscou: Editions du Progrès, 1971.
* Citações traduzidas livremente do francês.
Sergio Granja é pesquisador da Fundação Lauro Campos
Stáline e Khruchov

por Ivan Alekssandrovitch Benediktov [*]
entrevistado por V. Litov [**]

Esta entrevista com Ivan Alekssandrovitch Benediktov, personalidade que durante duas décadas (entre 1938 e 1959) ocupou postos chave na governação da Agricultura do nosso país, conhecedor profundo dos métodos e estilo de trabalho de I.V. Stáline e H.S. Khruchov e de outras destacadas figuras da política e da economia, baseia-se em várias conversas que com ele mantive entre 1980 e 1981 como jornalista da Gosteleradio da URSS. Nesse período, Ivan Alekssandrovitch estava reformado mas tinha uma intensa actividade social, designadamente na Associação de Amizade URSS-Índia. No final da sua carreira pública, Benediktov foi embaixador da URSS, primeiro na Índia (1959-1967) e depois na Jugoslávia (1967-1970).

Enquanto preparava emissões sobre a cooperação indo-soviética, não consegui conter-me e comecei a colocar a Ivan Alekssandrovitch questões sobre um tema que me interessava mais. Benediktov, com a reserva característica de um funcionário do aparelho, respondia inicialmente de forma seca e lacónica, dando claramente a entender que não estava disposto a perder tempo com conversa fiada. Todavia, julgo que ao se aperceber da sinceridade do meu desejo de compreender o passado, começou a falar de forma desinibida, com prazer e abertamente, concordando até conversar especialmente sobre temas agudos à volta de uma chávena de chá no seu espaçoso apartamento de "comissário do povo" na Rua Gorki.

Ivan Alekssandrovitch não se opôs à publicação das suas declarações, apesar de duvidar fortemente que tal fosse possível. Nisto verificou-se que tinha toda a razão: todas as minhas tentativas de "colocar" a entrevista numa revista literária, mesmo na versão mais truncada, resultaram num fracasso. No entanto, apesar de ter perdido uma esperança real, continuei a insistir: pretendia demonstrar ao antigo comissário do povo que as suas apreciações pessimistas eram inconsistentes e, eventualmente desse modo, fixar um alicerce para o prosseguimento ulterior do tratamento literário das suas memórias. Passados alguns meses após ter recebido mais uma rejeição por parte da redacção de uma conhecida revista, Ivan Alekssandrovitch faleceu... As motivações para continuar a luta caíram por si próprias e entreguei o original "à roedora crítica dos ratos".

Hoje, quando se tornou moda publicar obras antes proibidas, contrárias aos postulados oficiais, penso que faz novamente sentido voltar a ele. Claro que, de longe, nem com todas as afirmações de Benediktov se poderá concordar: algumas delas, hoje tal como naqueles anos, considero-as erradas. Penso até que ele próprio responderia hoje de forma diferente a algumas perguntas. Contudo, mantive tudo como estava, tudo como ele disse naquele tempo quando tive a oportunidade de o encontrar.
V. Litov
Desde os finais dos anos 70 que se observa uma queda evidente na nossa economia. Nos documentos oficiais é explicada quer por dificuldades objectivas, quer por falhas subjectivas. A maioria dos cientistas e especialistas considera que a raiz do mal está na ausência de um autêntico mecanismo económico de desenvolvimento e gestão da economia e, em especial, da introdução dos avanços científico-tecnológicos... Gostaria de conhecer a opinião de um homem que ocupou um importante cargo na nossa economia num período em que esta registava das maiores, se não as mais elevadas taxas de crescimento do mundo...

Temo decepcioná-lo com o meu "conservadorismo" e "dogmatismo". Considero que o sistema económico vigente no nosso país até aos anos 60 poderia ainda hoje garantir elevadas e estáveis taxas de crescimento, uma orientação firme para a eficácia e qualidade e, como consequência natural, a elevação constante do bem-estar de largas camadas de trabalhadores. Claro, a vida é a vida, algumas coisas teriam de ser mudadas e renovadas. Mas isto refere-se apenas a alguns estrangulamentos e pormenores porque, em geral, o amaldiçoado pelos economistas "sistema stalinista", como você correctamente observou, demonstrou uma alta eficácia e vitalidade. Foi graças a ele que, no final dos anos 50, a União Soviética era em termos económicos e sociais o país mais dinâmico do mundo. Um país que partiu convictamente do seu atraso, aparentemente insuperável face às potências capitalistas mais desenvolvidas, mas que em alguns sectores chave do progresso científico-tecnológico catapultou-se para a frente. Basta recordar as nossas realizações no espaço, o desenvolvimento para fins pacíficos da energia atómica, os êxitos nas ciências fundamentais.

Enganam-se aqueles que pensam que nós conseguimos tudo isto à custa de factores extensivos e quantitativos. Nos anos 30 e 40, e mesmo nos 50, a tónica, quer na indústria quer na agricultura, colocava-se não na quantidade mas na qualidade; os indicadores mais importantes e decisivos eram o crescimento da produtividade do trabalho mediante a introdução de novas máquinas e a redução dos custos de produção. Estes dois factores foram colocados na base do crescimento económico, eram eles que determinavam a avaliação e promoção dos dirigentes económicos, era exactamente isto que se considerava como o mais importante e como uma decorrência directa dos ensinamentos do marxismo-leninismo. Claro que, hoje, tal "rigidez" e linearidade parecem um pouco ingénuas e também é verdade que na altura produziram determinados efeitos negativos. Mas no conjunto a orientação foi tomada de forma inteiramente correcta, o que é demonstrado pela experiência das actuais empresas americanas, da Alemanha Ocidental e japonesas, muitas das quais já planificam não só o crescimento da produtividade do trabalho, mas também a redução dos custos de produção num horizonte de vários anos...

O mesmo pode ser dito sobre a esfera social e o clima político-ideológico na sociedade. A massa fundamental dos cidadãos soviéticos estavam satisfeitos com a vida e olhavam para o futuro com optimismo, acreditavam nos seus dirigentes. Quando Khruchov lançou o objectivo de alcançar a mais alta produtividade do trabalho no mundo e atingir as mais avançadas fronteiras no campo do progresso científico-tecnológico, poucos duvidaram do êxito final, tão grande era a convicção nas suas forças e capacidade de alcançar e ultrapassar a América.

Mas Khruchov não era Stáline. Um mau capitão é capaz de fazer encalhar o melhor navio. Foi o que aconteceu. Os nossos capitães primeiro perderam o rumo, falhando os ritmos estabelecidos, depois começaram a saltar de um extremo para o outro e a seguir deixaram mesmo escapar o leme das mãos, deixando a economia num impasse. Como não desejavam reconhecer abertamente a sua incapacidade, claramente incompatível com altos cargos, deitaram as culpas no "barco", no "sistema", montando uma ininterrupta cadeia de produção de decisões e resoluções sobre o seu "desenvolvimento" e "aperfeiçoamento".

Por seu lado, os "teóricos" e cientistas começaram a justificar este carrossel de papel com "inteligentes" considerações sobre um alegado "modelo económico optimizado" que, por si próprio, asseguraria de forma automática a resolução de todos os nossos problemas. Aos dirigentes bastaria sentarem-se na cabina de comando deste "modelo", carregando de tempos a tempos num ou noutro botão. Uma ilusão absurda, puramente de gabinete, académica!

No entanto, até Lénine incentivou as experiências, a busca de soluções optimizadas...

Não vem a propósito a citação que faz de Ilitch, nada a propósito. A tendência para as reorganizações e reformas, o constante prurido reestruturador foi classificado por Lénine como o mais infalível sinal de burocratismo, quaisquer que sejam as roupagens "marxistas" de que se veste. Lembre-se das proféticas palavras leninistas de que o sistema não passa de um sistema, e que há ainda o nível de "habilidade" para trabalhar, tanto "em cima" como "em baixo", o qual não se pode submeter ao sistema. Não se deve alvoroçar o povo com "rupturas de sistema" e reorganizações, avisou Vladimir Ilitch ainda no início dos anos 20, recrutem-se pessoas e controle-se a execução real das tarefas, isto será valorizado pelo povo. Este importantíssimo, talvez o mais importante ensinamento leninista sobre a governação, o qual atravessa literalmente todas as últimas obras, notas e documentos de Ilitch, na prática (em palavras é claro que todos estão a favor) está hoje esquecido. Porque nos surpreendemos então que, apesar da avalanche de "amadurecidas" resoluções e reorganizações, as coisas vão de mal a pior no nosso país?

Durante o tempo de Stáline, a palavra de ordem "quadros e controlo resolvem tudo" era aplicada à vida de forma consequente e firme. Apesar de evidentes erros e falhas (quem não os tem?), foram resolvidas todas as tarefas históricas maiores que se colocaram ao País, seja a criação das bases económicas do socialismo, a derrota do fascismo ou a reconstrução da economia nacional. Nomeie-me nem que seja apenas um problema, social ou económico, que Khruchov e os seus sucessores tenham conseguido, já não digo resolver, mas pelo menos atenuar. Por todo o lado o que vemos é toneladas de papel e gramas de obra, o avanço real em frente continua a não se ver. Antes pelo contrário, estamos a ceder posições conquistadas...

Compreenda bem o que lhe digo. Eu não sou contra as reformas ou reorganizações enquanto tais. Eu sou contra que se concentrem nelas as atenções, esperando que mais uma resolução produza resultados milagrosos. É preciso diminuir dez vezes o número de tais resoluções e reorganizações e canalizar todos as forças para um trabalho meticuloso, duro, rotineiro na realização de poucas mas rigorosas e concretas tarefas. Então sim, surgem os resultados milagrosos, reforça-se a confiança do povo no Partido, a qual, infelizmente, fica agora mais abalada a cada ano que passa. Refira-se que aqui não estou a descobrir a América. Era exactamente neste espírito que trabalhava o aparelho estatal-partidário nos chamados anos do "culto da personalidade". Penso que não é em vão, mas antes com bastante sucesso, que a experiência daqueles anos é estudada por dirigentes das maiores corporações monopolistas do Ocidente.

Ivan Alekssandrovitch, perdoe-me pela franqueza mas as suas considerações parecem-me demasiado simplistas. Depreende-se das suas palavras que, em última instância, tudo depende de quem está à frente do País... Não se estará a atribuir dessa forma uma espécie de força demoníaca ao factor subjectivo, o que, sem dúvida, contraria os pressupostos fundamentais do marxismo-leninismo?...

Lénine, segundo a sua lógica, "contrariou-os" quando, após o fim da guerra civil, declarou que para a vitória do socialismo na Rússia era apenas necessário "nível cultural" dos comunistas. Por outras palavras, aptidão para governar o País, em relação ao que eram "gotas de água num mar de povo". Isto era afirmado em condições de uma terrível destruição, fome, de um atraso medieval no campo, numa situação em que o País, citando as palavras de Lénine, lembrava "um homem espancado até à morte"!

A esmagadora maioria dos cientistas e especialistas, tanto da Rússia como do estrangeiro, hipnotizados pelos chamados "factores objectivos", apelidavam publicamente o plano de Lénine como uma "ilusão doentia", uma aposta nas "forças demoníacas do Partido Bolchevista". Os demónios são demónios, mas o facto é que nós construímos o socialismo em prazos curtíssimos malgrado todos "os mochos sábios" com os seus graus e títulos académicos.

Mas as analogias históricas não convencem ninguém. É preferível falar do presente. Mesmo no actual sistema económico temos dezenas de empresas, quer na indústria quer na agricultura, que estão ao nível mundial e em certos aspectos até o superam. Veja, por exemplo, a unidade de construção metalomecânica em Ivanov, dirigida por Kabaidze, ou o famoso kolkhoz do presidente Bedulia.

A condição mais importante, decisiva para o êxito dos sectores mais avançados (navios-almirante) da nossa economia é o nível de direcção, a competência profissional do director ou do presidente. Se Kabaidze ou Bedulia não prepararem os seus sucessores, tudo começará a descarrilar, resvalando para o nível medíocre e cinzento que predomina no nosso País. Daqui conclui-se que a raiz do mal não está no sistema económico existente, nas condições que oferece às pessoas com talento capazes de fazerem milagres (!), mas no que se costuma designar como "factor subjectivo-pessoal". Muito se fala entre nós sobre o aumento do papel deste factor no socialismo. Trata-se de facto de uma constatação correcta, só que o papel deste factor não pode ser entendido de forma simplista e cor-de-rosa. Um dirigente inteligente e competente acelera substancialmente o desenvolvimento de uma empresa, de um ramo, de um país; da mesma forma que um fraco e medíocre o trava e o atrasa gravemente. Por isso, os quadros dirigentes têm de ser submetidos a uma exigência rígida e a um controlo constante e global da sua evolução profissional, ideológica, moral e política. Sem isto o socialismo não só não realiza como, pelo contrário, perde a sua superioridade histórica.

Falar da criação de um "novo sistema" é falar de um sistema de grande escala, amplamente disseminado e profundamente reflectido, de revelação, promoção e estimulação da evolução de pessoas talentosas em todos os escalões de direcção, quer estatais quer partidários. Se conseguirmos preparar e "munir" os altos objectivos com algumas dezenas de milhares de Kabaidze e de Beluia, o País realizará um forte arranque em frente. Se não, continuará a marcar passo ao som da fanfarra das habituais resoluções e reorganizações. A principal tarefa partidária e, em grande parte, do aparelho de Estado, deve consistir exactamente na descoberta e promoção de pessoas com talento. Ora, neste momento, só se pensa nisto quase em último lugar, dedicando-se praticamente todo o tempo à preparação das habituais decisões e resoluções e de sonoras iniciativas para as propagandear. Mas, mais do que isso, as pessoas talentosas e brilhantes são preteridas em favor dos obedientes, dóceis e medíocres que irrompem agora até em cargos ministeriais. E quando "em cima" tudo está de pernas para o ar, "em baixo" as coisas não andam em frente. Não me surpreendo nada com o aumento do descontrolo nos processos económicos e sociais na sociedade, com o enfraquecimento da disciplina, da consciência e responsabilidades dos trabalhadores comuns, com o disparo do que hoje se costuma chamar de "fenómenos anti-socialistas". Repito, a principal causa dos nossos males está na baixa abrupta do nível da direcção partidária-estatal, no esquecimento dos geniais ensinamentos de Lénine sobre a selecção dos quadros e o controlo de execução como instrumento fundamental e decisivo de influência partidária.

Pelo que conheço dos documentos oficiais e afirmações de destacados historiadores, quem começou a desembaraçar-se de pessoas talentosas ao mais alto nível, foi exactamente Stáline, cuja política de quadros considera exemplar…

Se quiser compreender a essência dos problemas tem de pensar mais com a sua própria cabeça. Desde a chegada de Khruchov ao poder surgiram tantas falsidades nesses documentos que nos causam, por vezes, assombro: como foi possível aparecerem tais coisas nas nossas publicações partidárias, comunistas! Quanto a esses "destacados" cientistas-especialistas que hoje escrevem uma coisa, amanhã outra e depois de amanhã outra ainda, também são uma fonte muito pouco fiável.

Quanto ao fundo da questão, durante o período de Stáline, a promoção para os mais altos escalões da governação baseava-se exclusivamente nas qualidades políticas e de eficácia (claro que houve excepções, mas eram bastante raras, o que confirmava a regra). O principal critério era a capacidade de uma pessoa para, num curtíssimo prazo, alterar uma situação para melhor. Não eram tidas em conta quaisquer considerações de fidelidade pessoal ou proximidade com o "chefe", a chamada "cunha", já não falando das relações parentesco-familiares. Para além disso, as pessoas com quem Stáline simpatizava particularmente serviam de exemplos para os outros e o grau de exigência era mais rígido e severo. Refiro-me a V.M. Molotov [1] , a G.K. Jukov [2] , N.A. Boznessenski [3] , ao construtor de aviões A.S. Iakovlev [4] e alguns outros…

O autêntico sistema bolchevique existente nesses anos de selecção e distribuição de quadros permitia que nos postos-chave do Partido, Estado e Exército, estivessem efectivamente as pessoas mais talentosas e preparadas do ponto de vista profissional, que realizaram, segundo os padrões actuais, feitos impossíveis, literalmente milagrosos. N.A Boznessenski, A.N. Kossíguin [5] . D.F. Ustinov [6] , V.A. Malechev [7] , I.F. Tevossian [8] , B.L. Bannikov [9] , A.I. Chakhurin [10] , N.C. Patolitchev [11] são apenas alguns dos muitos que possuíam enormes capacidades e talentos e, o que não é menos importante, ocuparam altos cargos no auge das suas forças. No período de Stáline, o Governo soviético, pela sua composição etária, era certamente o mais jovem do mundo. Eu, por exemplo, tinha 35 anos quando me designaram Comissário do Povo para a Agricultura da URSS, e o meu caso não foi nenhuma excepção mas antes constituía a regra. A maioria dos comissários do povo tinha mais ou menos essa idade e mesmo muitos secretários regionais do partido, nessa altura, não teriam mais do que 30 anos. A palavra de ordem, "Entre nós, os jovens têm caminho em todo o lado", nos anos 30 e 40, era aplicada à vida de forma consequente, com persistência e uma firmeza férrea. Quando comecei a trabalhar numa instituição para a agricultura, ainda muito novo, tinha a firme convicção de que o meu sucesso na carreira dependia exclusivamente dos meus méritos e esforços e não das conjunturas criadas ou da intercedência de familiares influentes. Como muitos outros da minha geração, sabia que se me revelasse à altura das funções não ficaria muito tempo no mesmo lugar, não teria de "mendigar" durante longos anos uma promoção a seguir a outra, desperdiçando a energia e a vitalidade da juventude a classificar papelada burocrática, mas que rapidamente me abririam caminho, "subindo-me" vários degraus para "cima", lá onde se influencia e decide.

Posso afirmar com todo o fundamento que a opção de promover jovens era uma linha consciente, pensada nos seus diversos aspectos e exaltada, quer pelo próprio Stáline, quer por outros membros do Politbureau do CC do nosso Partido. Esta linha revelou-se inteiramente adequada. Estou convencido de que se nós tivéssemos entrado em guerra com comissários do povo e comandantes do exército sexagenários, o resultado poderia ter sido outro… Só pessoas jovens, criativas e capazes de pensar para além dos padrões habituais poderiam resolver as tarefas de complexidade inédita e a tremenda pressão dos anos da guerra.

Recordo-me a este propósito de Dimitri Fedorovitch Ustinov, que foi Comissário do Povo para o armamento durante a guerra. Ainda muito jovem, não possuindo naturalmente uma grande experiência de vida e como engenheiro, teve a coragem de tomar em algumas horas, por sua conta e risco, várias importantes decisões sobre a construção e equipamento de fábricas militares, que normalmente exigiriam muitos meses de trabalho de grandes equipas e o envolvimento dos institutos de projectos e outros tantos meses para coordenar a acção com as diversas entidades… No entanto, como reconheceram os especialistas, Ustinov não se enganou nos cálculos…

Ou Avraami Pavlovitch Zaveniaguin [12] que tanto fez também pela defesa, pela ciência e equipamento. "Isso é impossível, inconcebível, contraria a experiência internacional", alarmavam-se os nossos altos intelectuais, cientistas luminares e especialistas. Mas Zaveniaguin conseguiu o que queria e realizou aquilo que era "impossível" e "inconcebível".

Veja ainda a composição do alto comando do Exército Vermelho. É claro que as repressões de 1937-1938 enfraqueceram-no e permitiram que alguns marechais e generais com espírito antigo reforçassem as suas posições. Mas, paralelamente, prosseguia o processo de selecção e formação de pessoas talentosas, capazes de conduzir a guerra segundo os métodos modernos. Em geral, nas vésperas da guerra, os postos de comando, quer no exército quer no Estado-maior, eram ocupados na sua esmagadora maioria por pessoas de mérito, oficiais militares capazes, cujo acerto da escolha viria a ser confirmada pela brutal experiência dos combates. G.K. Jukov, A.M. Vassilevski [13] , K.K. Rokossovski [14] , I.S. Konev [15] , K.T. Meretskov [16] e outras gloriosas figuras militares nossas, conseguiram impor-se nos campos de batalha aos melhores cabos de guerra da Alemanha de Hitler, que possuía, indiscutivelmente, o exército mais poderoso do mundo capitalista.

Mas não se tratou apenas do memorável talento, patriotismo e entusiasmo revolucionário do nosso povo. Todas estas excelentes qualidades, como nos mostra a experiência dos últimos anos, desaparecem quase completamente quando não existe ordem e a devida organização das coisas, quando está ausente o autêntico sistema bolchevista de selecção, promoção e estimulação das pessoas com talento.

Não posso concordar com a afirmação de alguns "peritos" em história, de que as pessoas jovens e dotadas foram chamadas ao aparelho do Estado e do Partido para preencher o "vácuo" criado em resultado das repressões dos anos 30. Em primeiro lugar, com os jovens, ombro a ombro, trabalhavam quadros mais velhos e experientes, garantindo uma combinação bastante eficaz entre juventude e experiência. Em segundo lugar, e isto é o principal, mesmo depois das repressões de 1937, não faltavam concorrentes para os postos chave, incluindo experientes figuras de mérito. Digo isto com toda a segurança porquanto me recordo bem da situação existente na altura nos ministérios ligados à agricultura. E nos restantes o quadro era sensivelmente o mesmo. Recordo-me também do descontentamento dos veteranos, membros do Partido antes da revolução, com a nomeação de jovens comissários do povo. Havia de tudo… Mas o CC defendia firmemente a sua linha, não fazendo quaisquer concessões a serviços e feitos heróicos antigos.

Independentemente do que possam dizer sobre Stáline, enquanto desempenhou funções de direcção esteve sempre rodeado de um número de pessoas dotadas e talentosas incomparavelmente maior do que Khruchov, já sem falar dos seus sucessores. Diga-se também que a responsabilidade pelas falhas era concreta, individual e não diluída no colectivo como agora, quando desaparecem milhares de milhões e regiões inteiras são deixadas ao abandono sem que nunca se identifiquem os responsáveis! No nosso tempo, uma situação deste tipo era simplesmente inconcebível. Um Comissário do Povo que permitisse um gasto excessivo de dois ou três mil rublos punha em risco não o seu cargo, mas a vida! Admito que para alguns isto possa parecer cruel, no entanto, do ponto de vista dos interesses estatais e do povo, tal procedimento, em minha opinião, é plenamente justificado.

É sem dúvida positivo que, nos últimos anos, tenham terminado os ataques a Stáline por parte de indivíduos com mentalidade pequeno-burguesa ou de vítimas das repressões, e se tenha começado a mostrar de forma mais objectiva a sua actividade estatal e militar. No entanto, infelizmente, os métodos e estilo de trabalho não foram regenerados, talvez simplesmente não o consigam fazer...

Fica-se com a impressão de que rejeita radicalmente a reforma de 1965 e vê a salvação no slogan stalinista "Os quadros resolvem tudo". No entanto, esta reforma não foi de longe uma invenção de gabinete de burocratas decididos a vingar-se de Stáline, custe o que custar. Mais do que uma vez aconteceu encontrar-me com dirigentes de empresas e kolkhozes dos mais avançados, que se queixavam dos defeitos do sistema económico criado nos anos 30 e 40, em especial quanto aos indicadores de avaliação. Da mesma forma, a "gravitação" em torno do factor quadros está ligada, pelos vistos, a especificidades da história do nosso País e é pouco provável que hoje se justifique, tanto mais que contradiz a experiência mundial...

As pessoas aspiram sempre ao melhor, enquanto os dirigentes, mesmo os mais empenhados, desejam um alívio da sua pesada e frequentemente ingrata missão. Humanamente é possível entender ambos: o nivelamento salarial, a incompetência das "cúpulas" atingem dolorosamente sobretudo os colectivos mais empenhados. No entanto, a resolução de questões de Estado exige uma atitude de Estado que não pode submeter-se a interesses pessoais ou sectoriais, aos quais, infelizmente, se vergam pessoas de grande dignidade que me merecem todo o respeito.

Posso dizer que apoio a actual revisão, mas nunca uma alteração capital do nosso sistema económico, já que as suas enormes potencialidades e possibilidades, repito, estão demonstradas nas experiências dos anos 30, 40 e 50.

Não avalio as reformas de Kossíguin todas da mesma forma. Alekssei Nikolaievitch, o qual respeito profunda e sinceramente, foi, indiscutivelmente, o mais competente, hábil e conhecedor dirigente económico dos últimos anos, o que, refira-se, provocou uma manifesta hostilidade por parte de Khruchov que não suportava pessoas mais aptas do que ele. Nas propostas de Kossíguin existem elementos valiosos e úteis, os quais podem e devem ser aplicados no mecanismo económico. Mas apenas como elementos rigorosamente subordinados ao princípio da planificação. No seu conjunto, a orientação para o lucro, para a activação das relações monetário-mercantis, para a regeneração dos factores de mercado como base reguladora do desenvolvimento, nas nossas condições, é extremamente prejudicial e perigosa. Uma tal alteração da estratégia económica conduzirá inevitavelmente, e já conduziu, à desvalorização do carácter planificado da economia, ao declínio da disciplina estatal em todos os escalões, à acentuação dos processos incontroláveis económicos e sociais, ao aumento dos preços, inflação e outros fenómenos negativos. Existem, claro, determinados efeitos positivos. Mas, no quadro dos efeitos negativos que enumerei, não são relevantes.

Nos seus pontos de vista, Ivan Alekssandrovitch, existe, na minha opinião, uma clara contradição. Afirma que o afastamento do sistema económico stalinista teve um enorme efeito negativo. Contudo, na prática, esse afastamento não existiu: as reformas dos anos 60 não se concretizaram, patinaram logo aos primeiros passos. No essencial, nas últimas décadas, manteve-se o mesmo sistema que foi criado nos anos 30 e 40. Neste sentido é mais lógico pressupor que as nossas dificuldades decorrem da essência do próprio sistema e não em resultado da sua alteração...

Eu já lhe falei dos maus capitães que são capazes de encalhar o mais moderno navio... É verdade que as reformas de Kossíguin patinaram, aqui você tem razão. No entanto, mesmo assim alguma coisa conseguiram fazer, abalando o princípio da planificação e a disciplina do Estado. Pergunte a qualquer director de fábrica o que é que ele precisa em primeiro lugar para cumprir o plano e garantir uma produção de qualidade? Certamente que lhe dirá: o fornecimento regular de materiais e equipamentos, ou seja o cumprimento por parte dos fornecedores de todas as suas obrigações. Ora é exactamente este aspecto que hoje está colocado em segundo plano, cedendo lugar aos indicadores de valor e à perseguição do lucro.

Admito perfeitamente que se as reformas de Kossíguin tivessem sido realizadas até ao fim e não medrosamente apenas em parte, como agora se habituaram a fazer com qualquer questão, uma série de indicadores económicos melhoraria significativamente. Mas isso teria um preço demasiado alto e, o mais importante, custos sociais que do ponto de vista dos interesses do Estado não se justificariam. Neste caso, o remédio proposto pelos adeptos das reformas cardinais teria um efeito pior do que a doença: com a ajuda de tais "medicamentos" uma doença pulmonar transformar-se-ia num tumor cancerígeno.

Felizmente que, por enquanto, os efeitos negativos do modelo de mercado revelam-se, por assim dizer, na sua variante congelada e diminuída. Na Jugoslávia, onde se repercutem de forma mais decidida e consequente, e onde há muito passaram a fase na qual nos encontramos, estes efeitos negativos manifestaram-se com todos os seus cambiantes. O voluntarismo dos mercados provocou graves distorções entre os diferentes ramos do aparelho económico, entre regiões inteiras do País, a base científica-tecnológica envelhece irremediavelmente, enquanto na economia está literalmente entregue aos egoísmos de "grupo". Apesar de a Jugoslávia ter conseguido nos anos do pós-guerra elevar substancialmente o nível de vida da população, ter alcançado nítidos êxitos na produção de várias mercadorias e no conjunto dos ramos do sector dos serviços, este incremento foi obtido numa base malsã e à custa de factores que inevitavelmente conduzem à formação de uma situação explosiva e a uma crise geral da sociedade, o que, aliás, é dito abertamente pelos principais economistas do País.

O "socialismo de mercado" conduziu a um aumento insustentável da inflação, a uma acentuada diferenciação e polarização social (a tal ponto que, neste aspecto, a Jugoslávia, já ultrapassou vários países capitalistas), a um desemprego maciço e, como consequência natural, ao crescente descontentamento de amplas camadas de trabalhadores, sobretudo operários, cujas greve, há muito, se tornaram um acontecimento habitual. Não tenho dúvidas de que se abrirmos todas as eclusas ao mercado voluntarista no nosso país, espera-nos um futuro igual ou até talvez pior... São ingénuas as esperanças de que tal voluntarismo poderá ser contido dentro dos limites do socialismo e sob o controlo do plano. Na Jugoslávia, muitos economistas sensatos e dirigentes tentaram-no e não conseguiram nada. É que, nesta matéria, agem factores objectivos que não podem ser anulados com vontades subjectivas, mesmo que sejam as mais bem intencionadas...

Falemos então da "experiência mundial". A tendência aqui, por sinal, não é favorável aos factores de mercado, antes pelo contrário. O reforço dos princípios da planificação e a aposta no futuro são elementos que se observam hoje em todas as maiores corporações americanas, japonesas e da Alemanha Ocidental que determinam o clima da economia capitalista. Os gestores das companhias florescentes, em especial das japonesas, pensam cada vez mais no dia de amanhã e mesmo no depois de amanhã, dão passos que contrariam a regulação mecanicista da conjuntura do mercado. Sem falar do crescimento do sector económico estatal em praticamente todos os países capitalistas e da adopção e realização com sucesso de programas económicos e técnico-científicos de longo prazo, área em que nalguns aspectos até fomos ultrapassados pelos capitalistas. Enquanto isso, os seus economistas-"inovadores" apresentam o alinhamento pelas referências monetárias mercantis quase como a panaceia para todos os males!

Se pretendemos retirar alguma coisa de útil do estrangeiro, e não apenas falar disso do alto das tribunas, é preciso começar pela criação de um autêntico sistema científico e moderno de formação, desenvolvimento e promoção de quadros. Nisto o Ocidente deixou-nos muito para trás. Veja-se o facto de que, mesmo com um nível semelhante de equipamento técnico de produção, as firmas capitalistas, através dos chamados factores organizacionais, determinados em primeiro lugar pela competência dos quadros dirigentes, conseguem uma produtividade do trabalho duas a três vezes superior à nossa. Os empresários ocidentais dão mais atenção e tempo à questão da preparação de quadros do que às reorganizações e reestruturações. Penso mesmo que os saltos que damos, de um extremo ao outro, nessas reorganizações levariam à falência, ao fim de duas semanas, qualquer empresa capitalista, mesmo a mais florescente.

Mas as empresas ocidentais têm uma estrutura organizativa de administração muito mais elaborada do que a nossa... Porque não copiar a sua experiência!

É preciso copiar com inteligência e não mecanicamente. Devemos seguir sempre o nosso caminho e adoptar apenas o que corresponde às particularidades da economia nacional e se integra organicamente nela. Como fazem, por exemplo, os japoneses.

Uma pessoa minha conhecida, regressada de uma missão de trabalho no Japão, contou-me que nas empresas das maiores corporações, onde praticamente não existem cartazes de propaganda, viu apenas um slogan inscrito "Os Quadros Resolvem Tudo!", e os japoneses sabem a quem pertence este slogan... Tendo introduzido este princípio de forma consequente e de acordo com as suas especificidades nacionais em todos os elos sem excepção do processo produtivo, os patrões da corporação conseguiram, numa série de orientações principais, ultrapassar até os seus concorrentes americanos. Nos chamados "círculos de qualidade", que permitem às firmas japonesas livrarem-se dos produtos com defeito, é utilizada a experiência do nosso movimento stakhanovista [17] , a experiência da organização da emulação socialista e, em particular, o sistema de produção sem defeito de Saratov [18] , o que não é escondido no Japão... As mais importantes companhias do país do sol nascente elaboram regularmente planos de introdução das propostas de racionalização feitas pelos operários, os mais empenhados dos quais são publicamente apresentados e enaltecidos, como nos anos 30 e 40 no nosso País. Contaram-me que são exactamente os especialistas japoneses quem mais revela interesse pelo Pavilhão da "Emulação Socialista", no Parque de Exposições em Moscovo, onde estudam minuciosamente tudo o que de valor aparece nesta área. Outro facto interessante é que, no Japão, os operários que mais se distinguem na racionalização e produtividade recebem por isso recompensas simbólicas. Lá, com algum fundamento, pensam que os factores ideológicos e morais (o colectivismo corporativo, a ajuda mútua, a solidariedade) produzem efeitos muito mais fortes do que o mero estímulo material! Pois nós descobrimos isso ainda nos anos 30. Descobrimos e... esquecemos, deixámo-nos seduzir pelos estímulos puramente materiais, pondo de lado outros que são tão ou mesmo mais eficazes.

Temos assim que os capitalistas utilizam activamente a nossa experiência e os nossos êxitos, enquanto nós renunciamos na prática às nossas enormes vantagens objectivas, ajoelhamo-nos resignados perante o famigerado "modelo de mercado", tomando como referência a economia capitalista não de ontem, mas de anteontem! Se isto é "inovação" e "progresso" então o que será "conservadorismo" e "retrocesso"?

Lembro-me a propósito de outro episódio. No final dos anos 30, como Comissário do Povo para a Agricultura da URSS, desempenhava em simultâneo o cargo de presidente do comité da Exposição Agrícola da União Soviética que estava instalada no local do actual Parque de Exposições dos Êxitos Económicos da URSS. Stáline e outros membros do Politbureau acompanhavam o trabalho da exposição com grande atenção, considerando-a como o principal centro para a divulgação do movimento Stakhanovista no sector da agricultura. Enquanto observava os expositores, Stáline reparou que alguns legumes, frutas e hortaliças vindos das explorações mais avançadas, tinham um aspecto que, no mínimo, era pouco comercializável.

"-O que se passa camarada Benediktov?", perguntou-me. "Isto é uma exposição de resultados avançados ou de produtos estragados?"

"- Os produtos são transportados para a exposição pelo caminho-de-ferro, o que, naturalmente, demora alguns dias. O Goscontrol [19] não autoriza o transporte aéreo, considerando que se trata de uma despesa injustificada."

"- O Goscontrol está a ver este assunto a partir da sua capelinha departamental. O que você tem de fazer é abordar o problema com uma posição de Estado e não permitir que o formalismo deite tudo a perder. Como Comissário do Povo e presidente da Exposição deve defender esta posição e lutar contra tal formalismo. As pessoas devem poder ver com os seus olhos a qualidade dos legumes e frutas que é possível cultivar. É preciso despertar nelas o desejo e a atracção pelas experiências mais avançadas, para que as divulguem. Agora assim, está a economizar milhares mas a perder milhões."

Imediatamente a seguir, os produtos passaram ser transportados de avião. Stáline tinha razão: tive oportunidade de testemunhar várias vezes como as delegações de kolkhozes e Sovkhozes literalmente se deslumbravam com a ideia de "criar destas beterrabas e couves".

Refira-se que o movimento stakhanovista permitiu elevar a produtividade do trabalho no País, no mínimo uma vez e meia, aumentar ao mesmo tempo a consciencialização e a cultura de trabalho dos operários comuns e kolkhozianos. E tudo isto num prazo curtíssimo e sem quaisquer grandes despesas.

E mesmo assim continua a ser difícil de acreditar que a política de quadros durante o período de Stáline estava a um nível muito acima dos nossos tempos. Agora, pelo menos, não há repressões em massa, acabou o despotismo cruel e as ilegalidades que eliminaram as melhores pessoas, a nata intelectual da Nação… Ou acha que 1937 reforçou as fileiras dos quadros dirigentes?

Penso que quando conhecer não apenas uma parte mas todos os factos e documentos relacionados com o tema das repressões, quando os analisar e reflectir sobre o contexto da tensa e complexa situação da altura, sentirá vergonha das frases falsas ditas por pessoas exasperadas e desorientadas, que perderam a capacidade de raciocinar de forma sadia. O nosso país não teria podido livrar-se de forma tão rápida e decidida da idade média e seguir em frente, não teria conseguido, apesar de todos os sofrimentos, tornar-se numa moderna e grande potência, e a cultura soviética nunca teria atingido o apogeu do seu florescimento se, como afirma, "a nata da Nação" tivesse sido sistematicamente eliminada pelo "maldoso" Stáline e o seu círculo. Exactamente porque se conseguiu emancipar e promover ao mais alto nível a parte mais talentosa, corajosa, criadora e honesta do nosso povo foi possível tomar a dianteira e superar provações que nenhum outro país no mundo suportaria. Mas quando a política de quadros se alterou, quando passou a aplicar-se à escala nacional uma política de perseguição e acossamento das pessoas talentosas, quando o oportunismo e o carreirismo se tornaram moda, as forças criadoras do povo começaram efectivamente a definhar e chegámos à infâmia de precisarmos de importar regularmente cereais e outros produtos alimentares, de haver penúria de produtos de primeira necessidade, de termos uma esfera de serviços esgotada e continuarmos a atrasar-nos em relação ao Ocidente no campo técnico-científico. Estou convencido de que as baixas exangues que sofremos nas últimas décadas na economia, política e ideologia, superam várias vezes os danos causados pelas repressões e ilegalidades dos anos 30 e 40. No fundamental, o potencial criador de várias gerações das mais talentosas e sadias do nosso povo foi desperdiçado e corroído na sua base moral pela ideologia e psicologia pequeno-burguesas. Por isto, não tenhamos dúvidas, pagaremos o mais alto preço.

É verdade que nos anos 30, milhares de pessoas inocentes foram vitimadas. É óbvio que uma pessoa cujos pai ou mãe tenham sido injustamente fuzilados não pode consolar-se com o facto de que por cada vítima inocente muitos mais tenham sido condenados justamente.

Aqui é preciso passar por cima da nossa própria dor, deixar de olhar para a história através de um prisma de exasperação pessoal. Mais que não seja em nome da elementar objectividade – já sem falar da atitude de classe e de partido que, para muitos dos "intelectos" que refere, é como um pano vermelho para um touro… Apesar de tudo o que se possa dizer sobre aquele tempo, a atmosfera de então caracterizava-se não pelo medo, pelas repressões ou pelo terror, mas por uma poderosa onda de entusiasmo revolucionário das massas populares, sentindo-se pela primeira vez depois de muitos séculos donos da própria vida, sinceramente orgulhosos do seu País, da sua Pátria e que acreditavam profundamente nos seus dirigentes.

É preciso analisar o que se passou com objectividade, rigor documental, profundidade e, sobretudo, a partir das nossas posições de classe. Temos de estabelecer o número total de vítimas, quer inocentes quer culpadas, determinar a responsabilidade de Stáline, dos que o rodeavam, bem como os muitos excessos ocorridos na província com o beneplácito das autoridades locais. Só depois disto estar esclarecido poderemos lançar raios e coriscos… Mas nós fazemos tudo ao contrário. Primeiro fazemos alarde, atolamo-nos na lama, e só depois começamos a pensar: teremos feito bem, ou será que apenas criámos um amontoado de problemas artificiais cuja superação exigirá esforços heróicos? Estou convencido de que já é tempo de pensarmos sobre a necessidade de reconstituir um quadro autêntico do passado. Enquanto não o fizermos os nossos inimigos continuarão, à custa do nosso silêncio, a fabricar uma versão sua cada vez sólida.

Há muito que se devia ter começado, até porque nesta área o trabalho é gigantesco. Boa parte disto foi oferecido por Khruchov, que odiava Stáline e transferiu para a grande política os seus interesses mesquinhos e a sua exasperação pessoal. Pessoas competentes disseram-me que Khruchov deu ordem para ser destruída uma série de documentos importantes relacionados com as repressões dos anos 30 e 40. Certamente que, em primeiro lugar, desejou esconder a sua participação nas ilegalidades em Moscovo e na Ucrânia, onde, para ficar nas boas graças do Centro, assassinou muitas pessoas inocentes. Ao mesmo tempo foram destruídos documentos de outro tipo que demonstravam irrefutavelmente a fundamentação das acções repressivas adoptadas no final dos anos 30 contra algumas destacadas figuras do Partido e do Exército. A táctica é óbvia: encobrir-se a si próprio e lançar todas as culpas pelas ilegalidades para cima de Stáline e dos "stalinistas", os quais eram vistos por Khruchov como a principal ameaça ao seu poder.

Entretanto distraí-me, caí em suposições, comecei a falar sobre algo que não conheço com profundidade. São precisos documentos e factos indiscutíveis e não os possuo. Por isso peço-lhe que não aborde mais este tema: não é meu hábito falar sem provas documentais…

Eu tenho ainda menos hipóteses de vir a aceder a esses testemunhos documentais, os arquivos permanecerão fechados por muito tempo… Estudos sérios não existem sobre esta matéria, para os ideólogos do Partido este é um tema proibido e agora você, um participante activo nesses acontecimentos, recusa-se a revelar o que sabe… Que fazer, eu quero saber a verdade! Vou ter com esses escritores e "intelectuais" que, segundo o que me diz, mais não fazem que turvar as águas! Ou com os kremlinólogos ocidentais que, como justamente observou, são tão hábeis a fabricar as suas versões!

Pronto, pronto, eu conto-lhe um episódio verdadeiro da minha vida, ocorrido, se a memória não me falha, em 1937. Tire você próprio as conclusões…

Nessa altura ocupava um cargo de direcção no Comissariado do Povo para os Sovkhozes da URSS. Ao entrar de manhã no gabinete encontrei uma notificação para me apresentar urgentemente no NKVD [Comissariado do Povo para os Assuntos Internos]. Era algo que não provocava especial surpresa ou preocupação, porque era frequente os colaboradores do Comissariado do Povo serem chamados a prestar declarações sobre processos de investigação de grupos de sabotadores na nossa instituição. O investigador, de aspecto inteligente e simpático, cumprimentou-me educadamente e propôs que me sentasse.

"- Que tem a dizer sobre os colaboradores Petrov e Grigoriev (altero os apelidos por questões de ética (I.B.)?

"- São óptimos especialistas, comunistas honestos e dedicados à causa do Partido e ao camarada Stáline" – respondi sem sequer pensar. Tratava-se de dois dos meus amigos mais próximos, éramos, como se costuma dizer, unha com carne…

"- Tem a certeza disso?" perguntou o investigador, cuja voz me pareceu transparecer um sentimento de decepção.

"- Absoluta, respondo tanto por eles como por mim próprio."

"- Então veja estes documentos". E passou-me para as mãos várias folhas de papel.

Ao lê-las, fiquei gelado. Tratava-se de uma declaração sobre "A actividade sabotadora de I.A. Benediktov no Comissariado", realizada durante vários anos "ao serviço da espionagem alemã". Tudo, todos os factos enumerados no documento tinham efectivamente ocorrido: as aquisições na Alemanha de máquinas agrícolas impróprias para as nossas condições, ordens e directivas erradas, o menosprezo de queixas locais justas e mesmo algumas tiradas minhas feitas na brincadeira, num círculo restrito, para impressionar amigos com o meu sentido de humor... Claro que tudo aquilo era resultado da minha ignorância, inépcia, falta de experiência – nunca tinha havido, nem podia haver da minha parte qualquer má intenção. No entanto, todos aqueles factos estavam agrupados e interpretados com uma tal habilidade demoníaca e uma lógica irrefutável que, colocando-me no lugar do investigador, de imediato e sem hesitações teria acreditado nos "propósitos sabotadores de I. A. Benediktov".

Mas um golpe mais terrível esperava-me mais à frente: abalado pela espantosa força da mentira, não reparei logo nas assinaturas de quem tinha forjado o documento. O primeiro apelido não me surpreendeu (tratava-se de um tratante, mais tarde condenado com pena de prisão por calúnia, que fizera denúncias sobre muitas pessoas do Comissariado e que, por isso, já ninguém levava a sério). Mas quando vi os apelidos que constavam na segunda e terceira linhas então fiquei literalmente hirto: eram as assinaturas de Petrov e Grigoriev, pessoas que eu considerava como os meus melhores amigos, aos quais confiava tudo inteiramente!

"- O que é que tem a dizer sobre esta declaração?", perguntou o investigador quando viu que eu tinha, mais ou menos, voltado a mim.

"- Todos os factos aqui expostos tiveram lugar, nem precisa de os verificar. Mas estes erros cometi-os por ignorância e falta de experiência. Arrisquei em nome dos interesses do trabalho, assumi a responsabilidade em momentos em que outros teriam preferido cruzar os braços. As afirmações sobre sabotagem intencional e as ligações com a espionagem alemã são uma mentira absurda."

"- Continua a considerar Petrov e Grigoriev como comunistas honestos?"

"- Sim, continuo, e não consigo compreender o que os fez subscrever esta falsificação..."

Mas na verdade já começava a compreender, projectando na memória certos sinais de afastamento, frieza e tensão que tinham surgido imediatamente após a minha nomeação para um posto chave no Comissariado... Tanto Petrov como Grigoriev seriam, possivelmente, melhores especialistas do que eu, mas seguiam a filosofia dos "mochos sábios", travando por vezes a minha iniciativa e a sede de mudanças rápidas.

"- Compreendo que não queira afundar os seus amigos", disse o investigador depois de reflectir alguns momentos. "Mas, infelizmente, o comportamento deles está longe de ser o que diz. É claro que recolhi algumas informações sobre si e não são más: é uma pessoa empenhada, bastante capaz. Mas já em relação aos seus amigos, "comunistas honestos", são más. Ivan Alekssandrovitch, quero que compreenda a nossa posição: admite que os factos tiveram lugar e diz que não tem qualquer dúvida sobre a honestidade daqueles que o acusam de sabotagem. Concordará que enquanto tchekistas temos que agir em conformidade. Pense novamente se tudo o que nos disse é verdade. Eu compreendo, agora está numa situação complicada, mas não vale a pena desesperar porque ainda não chegámos a nenhuma conclusão", disse-me o investigador na despedida, apertando-me a mão.

Não sei como consegui chegar a casa, nem o que disse à minha mulher. Na memória ficou-me apenas a maneira febril como telefonámos aos nossos amigos e como a minha mulher, cerrando obstinadamente os lábios para não chorar, escreveu cartas e postais aos familiares e pessoas próximas (as relações com famílias de "inimigos do povo" poderiam ser-lhes fortemente prejudiciais e tínhamos simplesmente a obrigação de os avisar).

Da parte da tarde, no gabinete, quando tentava vencer pensamentos e presságios sombrios e entender o sentido dos papéis que tinham chegado, tocou o telefone: convidavam-me a comparecer no Comité Central na manhã do dia seguinte. "Está decidido, estou morto", pensei eu, "expulsam-me do Partido e, depois, julgamento".

A minha mulher não aguentou mais e passou a noite a chorar. De manhã, preparou-me uma pequena trouxa com alguns pertences, com os quais segui para o edifício do Comité Central na Praça Velha. Recordo-me do olhar perplexo que me lançou a mulher, já com alguma idade, que estava sentada na recepção da sala de reuniões. "Isso pode deixar aqui", disse, mostrando-me uma cadeira junto à porta. Na reunião, foram debatidas questões sobre o desenvolvimento da agricultura. Quase que não conseguia entender o sentido das intervenções, esperava que dissessem o meu apelido e começassem a estigmatizar-me. Por fim, alguém falou no meu nome... era Stáline.

"O burocratismo no Comissariado não diminui", disse ele devagar e pesadamente. "Todos nós respeitamos o Comissário do Povo... um velho bolchevique, veterano de guerra, mas não há meio de ele conseguir combater o burocratismo, é verdade que a idade também já não ajuda. Ouvimos opiniões e decidimos reforçar a direcção do sector. Proponho a nomeação para o cargo de Comissário do Povo do jovem especialista Benediktov. Alguém está contra? Não? Considera-se o assunto resolvido".

Após alguns minutos, quando todos começavam a sair, aproximou-se de mim Vorochilov [20] : "Ivan Alekssandrovitch, o camarada Stáline pede que vá ter com ele".

Numa sala espaçosa reconheci os rostos bem conhecidos das fotografias de Molotov, Kaganovitch e Andreev [21] .

"- Eis o nosso novo Comissário do Povo", disse Stáline quando me aproximei dele. "Então, concorda com a decisão tomada ou tem alguma razão contra?"

"- Tenho, camarada Stáline, três ao todo."

"- Diga então!

"- Em primeiro lugar sou demasiado novo, em segundo, trabalho há pouco tempo nas novas funções e faltam-me experiência e conhecimentos.

"- A juventude é uma insuficiência que passa. Só é pena que passe tão depressa. Nós é que precisávamos um pouco mais dessa insuficiência, não é Molotov?" Este pigarreou de forma indefinida, ajustando as lentes no nariz. "Experiência e conhecimento é algo que se adquire", continuou Stáline. "Teria sido para mim um prazer ter estudado, mas você, pelo que me disseram, teve-o que chegue. Mas não se encha de orgulho que nós ainda lhe vamos fazer muitos galos na cabeça. Prepare-se para ter uma vida difícil, o Comissariado tem sido negligenciado. E qual é a terceira razão?"

Então contei a Stáline a minha ida ao NKVD. Ele franziu o semblante, ficou calado e depois, olhando-me fixamente, disse:

"- Responda francamente, como comunista: essas acusações têm algum fundamento?"

"- Nenhum, excepto no que toca à minha inexperiência e inépcia."

"- Muito bem, pode ir trabalhar que nós trataremos dessa questão."

Só dois dias depois dessa conversa, quando me telefonou um dos secretários do CC, compreendi que o perigo passara. Quanto à trouxa, foi-me enviada nesse dia do CC para o Comissariado. Estava de tal modo aturdido que me esquecera completamente dela...

Ao que parece, Stáline não quis alterar uma decisão já tomada, e isso salvou-o....

Não concordo. Ao longo de muitos anos de trabalho, constatei várias vezes que os procedimentos formais ou ambições pessoais pouco significavam para ele. O que contava para Stáline era o trabalho e, se fosse necessário, não o confrangia alterar decisões tomadas, não se preocupando nem um pouco sobre o que pudessem outros pensar ou dizer. Tive simplesmente sorte porque o caso sobre a minha fictícia "sabotagem" caiu sob o seu controlo pessoal. Nas questões relacionadas com processos de pessoas acusadas de sabotagem, Stáline tinha fama de liberal no Politbureau da altura. Normalmente, punha-se do lado dos acusados e conseguia inocentá-los, embora, claro, tenha havido excepções. Isto encontra-se bem descrito nas memórias de Tchuianov, antigo primeiro-secretário do Partido na região de Stalinegrado. E mesmo eu presenciei várias vezes desavenças entre Stáline com Kaganovitch e Andreev, considerados "rapaces" nesta matéria. Os argumentos de Stáline assentavam fundamentalmente na ideia de que mesmo com os inimigos do povo era necessário lutar dentro do campo da legalidade, nunca saindo dele. Outro qualquer membro do Politbureau que recebesse o meu caso poderia ter dado seguimento às calúnias dos invejosos e canalhas.

Quer dizer que as repressões e arbitrariedades eram feitas nas costas de Stáline, sem o seu conhecimento? Todavia, no XX Congresso foram apresentadas provas irrefutáveis de que foi exactamente Stáline o iniciador das repressões e quem escolhia as principais vítimas...

Quanto à irrefutabilidade tenho as maiores dúvidas. Tudo foi feito à pressa com o evidente propósito de difamar Stáline e, sobretudo, os que o apoiavam. Quebrando a sua resistência, Khruchov e o seu círculo mais chegado contavam conseguir uma situação de monopólio no Partido e no Estado. Quando se trava uma luta pelo poder, lançam-se todo o tipo de argumentos, muitas vezes duvidosos. Por exemplo, as claras alusões à participação de Stáline no assassinato de Kirov [22] , que ressoaram no famoso relatório de Khruchov, nunca foram confirmadas com provas reais. As palavras de Khruchov de que, alegadamente, Stáline "comandava as operações militares pelo globo", revelaram-se absurdas, como confirmaram praticamente todos os marechais e generais que com ele trabalharam durante a guerra. De um modo geral, o relatório de Khruchov no XX Congresso, a par de factos evidentes, está cheio de aspectos obscuros, contraditórios, simplesmente incompreensíveis, em especial, no que toca à participação nas repressões dos membros do Politbureau na altura, entre os quais, como é sabido, se incluía o próprio Khruchov... Repito: aqui é preciso um estudo meticuloso dos documentos e materiais de arquivo, uma análise profunda e uma reflexão a partir das nossas posições partidárias de classe, considerando todos os factores e circunstâncias e não apenas os que se encaixam num determinado esquema teórico.

Mas no nosso país, em vez se fazer essa análise e reflexão, utiliza-se "o restabelecimento da verdade histórica" como cobertura para ajustar contas com os adversários políticos e ganhar um sedutor capital ideológico como "inovadores" e "combatentes" contra mais um "ismo", o que, evidentemente, é apresentado como um "enorme contributo criativo". O próprio Khruchov se tornou vítima dessa trama, no mínimo, suspeita. Foi injuriado com todas as palavras, depois totalmente excluído de todos os documentos históricos, como se não tivesse existido tal figura na história do País. A nossa cultura política é ainda pouca, há muitos oportunistas reles, a ânsia de obter resultados imediatos acaba por colidir com os interesses estratégicos de longo prazo...

Temos portanto de esperar pela análise e estudo dos arquivos. O que, pelos vistos vai durar muito tempo... O que fazer agora, quando os opositores do socialismo desferem golpes sensíveis sobre a nossa ideologia, minam a confiança das pessoas no Partido, denigrem o caminho percorrido pelo povo? Como propagandista e leitor da Sociedade Conhecimento confronto-me frequentemente com auditórios de jovens que colocam muitas perguntas sobre o tema do culto da personalidade e das repressões. Que posso eu responder, como preencher este vazio se mesmo nas memórias que se publicam, quando se publicam é claro, tudo o que se relaciona mais directamente com o tema é implacavelmente cortado. Porque é que você, participante e testemunha nestes acontecimentos, não nos dá a sua opinião, a sua versão, a sua hipótese? Veja, este tema é tratado por pessoas absolutamente incompetentes e mal intencionadas, que apresentam a sua opinião como uma verdade acabada e convencem-se disto... Ou você, Comissário do Povo de Stáline, comunista, afinal não tem como replicar e devemos nós envergonhar-nos da nossa história?

A sua insistência convence. De facto não precisamos de nos envergonhar da nossa história. Com todas as suas páginas dramáticas, esta é uma história heróica, a história de um grande povo. O que posso dizer, não tenho outra escolha, é a minha opinião pessoal, não assente, repito, nos necessários documentos e factos.

Fui efectivamente um participante nos acontecimentos desses anos, encontrei-me muitas vezes com Stáline, conhecia bem destacados dirigentes do Partido e da economia dos anos 30 e 40, estive presente em muitas reuniões do Politbureau. Todavia, a maior parte do tempo ocupei-me das questões da agricultura e, naturalmente, percebo muito menos do resto. Um pouco mais, certamente, do que os actuais críticos, mas não com necessário profissionalismo. Peço que tenha isto em consideração.

As repressões dos anos 30 e parte dos anos 40 resultaram, principalmente, de factores objectivos. Em primeiro lugar, da resistência encarniçada dos declarados e, em especial, dos dissimulados inimigos do Poder Soviético. Os primeiros eram significativamente menos numerosos que os segundos, e nisto residia toda a dificuldade.

Nem de longe, todos os que, em consequência da Revolução de Outubro, perderam a sua riqueza, os privilégios, a possibilidade de viver à custa do trabalho dos outros, fugiram para o estrangeiro. Muitas destas pessoas, aproveitando-se da confusão e da balbúrdia dos primeiros anos pós revolução, conseguiram infiltrar-se no aparelho de Estado e no Partido, até mesmo no NKVD [Comissariado do Povo dos Assuntos Internos]. Tanto mais que havia grande carência de pessoas formadas, de especialistas qualificados. A "quinta coluna" potencial era constituída por uma parte significativa da inteligentsia anterior à revolução, que tinha perdido uma série de privilégios e regalias, designadamente no plano material, e estava agora ao serviço do aparelho soviético, como se costuma dizer, a contragosto, por não ter outra alternativa... Com esta "quinta coluna" relacionavam-se os népmans [empresários do período da Nova Política Económica], tal como os kulaks [proprietários rurais ricos] que odiavam o Poder Soviético, parte dos camponeses médios e alguns operários, vitimados em consequência de excessos e da desordem que, inevitavelmente, acompanha qualquer revolução e as grandes transformações sociais. Um perigo menor, mas perfeitamente perceptível, vinha da actividade clandestina dos grupos e grupelhos políticos da burguesia, pequena-burguesia e até de monárquicos, muitos dos quais mantinham ligações regulares com os círculos da emigração. Tudo isso não era uma invenção do Stáline ou do NKVD, mas a mais prosaica realidade existente.

Basta dizer que no decurso das investigações do chamado caso Prompartia [partido industrial], que tinha evidentes objectivos anti-soviéticos, foram desmascaradas cerca de duas mil pessoas que de forma consciente e orientada praticavam actos de sabotagem. Em meados dos anos 30, testemunhei pessoalmente casos de sabotagem consciente na indústria química e de curtume. E mesmo no Comissariado do Povo dos Sovkhozes da RSFSR [República Soviética Federativa Socialista da Rússia] e no Comissariado do Povo da Agricultura da URSS, onde trabalhei, alguns especialistas vindos da inteligentsia anterior à revolução não perdiam uma oportunidade para nos passar uma rasteira.

A actividade da oposição trotskista-zinovievista [23] e mais tarde bukharinista [24] era reforçada com este tipo de acções subversivas. É verdade que os seus líderes, ainda nos finais dos anos 20, foram obrigados a recuar e a intervir com discursos de arrependimento. No entanto, muitos correligionários de Trotski e de Bukharine tinham ficado nos aparelhos do Partido e do Estado, no Exército, nos órgãos de segurança de Estado, onde prosseguiam a sabotagem ao Poder Soviético no campo ideológico, evocando hipocritamente os ideais de Outubro. Note-se que, também no comando do Exército Vermelho, havia bastantes oficiais czaristas. Muitos deles, incluindo Tukhatchevski [25] , Iakir [26] , Uborevitch [27] e outros, passaram-se para o lado dos bolcheviques na sequência de um grande trabalho de organização e propaganda realizado por Trotski, cujo contributo para o reforço da defesa da Revolução, como sabe, foi altamente valorizado por Lénine. É certo que a maioria dessas pessoas, conservando certos preconceitos e convicções antigas próprios do seu extracto social, eram leais ao Poder Soviético. Mas havia quem andasse com as tripas do avesso, o que constituía uma ameaça determinada, uma vez que Trotski, com as suas excelentes capacidades organizativas e talento conspirador, já emigrado, conseguia manter ligações regulares com os descontentes no interior do País. E nem sequer é preciso falar dos muitos agentes enviados nos anos 30 para o território da União pelos serviços de espionagem capitalistas.

É evidente que os adversários do Poder Soviético, não obstante representarem por certo alguns milhões de pessoas, constituíam uma clara minoria do povo. No entanto, dada a importância dos cargos que exerciam, o seu nível intelectual mais elevado, educação e conhecimentos, ignorá-los como potencial ameaça para o socialismo teria sido uma leviandade criminosa, inadmissível para um político sério. Numa situação em que os países capitalistas não escondiam a sua hostilidade e se aproximava o embate com o fascismo, o governo do País estava simplesmente obrigado a empreender firmes medidas em grande escala para se resguardar de possíveis ataques pelas costas, neutralizar a potencial "quinta coluna" e garantir a máxima unidade nos escalões de direcção do Partido, Estado e Exército.

Referiu-se aos inimigos do Poder Soviético e aos adversários ideológicos de Stáline. Mas entre as vítimas de repressão havia muitas pessoas que eram capazes de dar a vida por Stáline...

É verdade. Mas isso apenas demonstra que as repressões não eram motivadas pela falta de lealdade pessoal a Stáline, como alguns pretendem fazer crer, mas por outras razões mais sérias. Quais? Pense-se, mais que não seja, no processo que se impunha de saneamento e rejuvenescimento da direcção.

Entre a velha guarda partidária, que conseguiu entusiasmar e levantar as massas para a Revolução de Outubro, havia, nas palavras de Lénine, algumas "figurinhas" de "santos de pau carunchoso" que sabiam "empertigar-se e palrar", mas não eram capazes de trabalhar de forma inovadora, à altura das tarefas que se colocavam ao país. O meu Comissariado, por exemplo, era dirigido por um velho bolchevique, pessoa honesta e, sem dúvida, com mérito (por isso não refiro o seu nome), mas incapaz de organizar as coisas. Inúmeros encontros e exortações, reuniões com "brilhantes" palavras de ordem, constantes vivas à revolução, a Lénine, a propósito e a despropósito, era esse o seu estilo, o qual, simplesmente não estava em condições para alterar. E de nada servia o elevado grau de formação e cultura, as suas grandes qualidades morais: as aptidões práticas são insubstituíveis.

Nos seus últimos escritos, Lénine sublinhou várias vezes que a maioria do Partido (cerca de nove em cada dez), era constituída por pessoas incapazes de responder às novas exigências, apelando por isso à sua substituição nos lugares de responsabilidade, à sua "exclusão", sem contemplações perante quaisquer serviços que tivessem prestado. Tudo isto correspondia à realidade. Naturalmente que a promoção em massa de pessoas mais jovens, dotadas e capazes de trabalhar em novos moldes não podia processar-se de forma indolor. Provocou descontentamento, ressentimentos e acusações da parte dos veteranos, cuja resistência também foi preciso quebrar.

Mas é claro que a maioria não foi vítima disto.

Lembra-se das palavras de Lénine de que os russos eram maus trabalhadores em comparação com os operários dos países ocidentais? Confessemos: o desleixo, a irresponsabilidade, a indolência está-nos no sangue; do operário ao ministro, temos uma cultura de trabalho reduzida, para não dizer primitiva. E para arrancar todos estes "sinais de nascença do passado" será preciso ainda muito tempo e esforços.

Estou convencido de que, nos anos 30, quando estávamos perante uma questão de vida ou de morte do Estado Soviético, era preciso utilizar todo o arsenal de combate contra as nossas chagas ancestrais russas, recorrendo, a par de estímulos materiais e morais, a medidas do foro administrativo e mesmo punitivo-repressivas. Sim, sim, esse chicote, sem o qual, muitas vezes, não é possível extrair de uma parte da nossa população (não tão pequena quanto isso) aquela rudeza elementar, selvagem, boçal.

Folheie os últimos volumes das obras completas de V.I. Lénine, onde estão reunidas as suas cartas de trabalho, os telegramas e notas. Não se cansava de repetir que "nas nossas condições, com estes malditos hábitos de desleixo, qualquer coisa se desconjunta em duas semanas se não a ajustarmos e verificarmos, se não dermos três chicotadas [28] ". "Em nome de Cristo, ponham alguém atrás das grades da prisão. Sem isso, não se consegue nada [29] ". Praticamente em todas as linhas apelava a "chicotadas", às prisões e repressões, incluindo a pena capital, por descuido, negligência, desleixo, subornos e tentativas de "camuflar" actos vis. E estes apelos tinham em vista quem? Funcionários dirigentes, incluindo os dos escalões mais altos, bolcheviques, que tinham passado pelas prisões, por trabalhos forçados, pelo exílio. Lénine respeitava as pessoas, valorizava as suas qualidades práticas. Mas quando a situação o pedia, revelava uma severa exigência, não hesitando em adoptar as medidas mais rigorosas e drásticas, "punitivas", se quiser. Stáline herdou este estilo, e nesse tempo não poderia ser de outra forma.

Na situação específica dos anos 30 e 40, os actos de negligência, irresponsabilidade e incúria tinham obrigatoriamente de ser equiparados a crimes políticos. E as pessoas, estando conscientes disto na sua grande maioria, apoiavam tais medidas. Do ponto de vista prático, é absolutamente indiferente qual a razão por que uma fábrica, construída à custa de uma tremendo esforço, não produz a quantidade de bens necessários a todos: se devido às diversões de agentes inimigos ou à mais elementar inépcia daqueles que se revelam incapazes de organizar a produção e pensam mais nos seus interesses pessoais do que nos da sociedade... A mim não me comove nada a história tocante de uma mãe com dois filhos que foi condenada a vários anos de prisão pelo roubo de duas espigas de trigo. É claro que, no seu plano pessoal, a sentença é no mínimo cruel. Mas este exemplo dissuadirá, por muito tempo, que centenas ou milhares de outros amigos do alheio deitem a mão a bens do Estado, enriquecendo à custa de outros... Não é verdade que hoje, ladrões descarados e trapaceiros de todos os tipos privam o Estado de milhares de milhões, talvez mesmo dezenas de milhares de milhões de rublos, que poderiam, por exemplo, ser destinados a prestações sociais não de uma nem duas, mas de milhões de mães?

Mas desviei-me do assunto. Em suma, as repressões dos anos 30 foram, no seu fundamento, inevitáveis. Penso que se tivesse vivido mais 15 anos, Lénine teria tomado a mesma via. Não é por acaso que os críticos mais consequentes de Stáline e do chamado "stalinismo" cedo ou tarde acabam a criticar Lénine. Em última análise, não se pode acusar estas pessoas de falta de lógica.

É certo que, com Lénine, os excessos e desvios teriam sido muito menos.

Na sua opinião, em que é que consistiram em concreto esses excessos e qual é a fronteira que separa os factores objectivos dos erros e falhas subjectivos?

Eu já disse que, no aparelho do Partido e nos órgãos do NKVD, havia inimigos ocultos do Poder Soviético, assim como carreiristas de diverso tipo, cobiçosos e aventureiros. Guiados pela sua cupidez e pelos seus interesses pessoais, inscreveram nas listas dos "inimigos do povo" pessoas honestas e talentosas, fabricaram "casos", chamando como "testemunhas" todo o género de canalhas, do tipo dos meus amigos Petrov e Grigoriev. Os abusos e desvios, em especial ao nível local, foram também resultado do baixo nível político e sociocultural (simplesmente não podia haver outro) dos quadros dirigentes locais. Ainda para mais, a propaganda acentuava a "urgência" nesta matéria. A procura de actos de "sabotagem", designação que passou a classificar indistintamente todos os incidentes, até erros acidentais e outros causados pela inexperiência de pessoas honestas, tornou-se numa espécie de psicose entre amplas massas da população. É certo que o ideal seria investigar individualmente e com objectividade todos os casos de suspensão ou paragens da produção, a origem dos defeitos nos produtos, apurando com minúcia as situações resultantes de inexperiência, as provocadas por negligência criminosa e as que eram de facto consequência de actos conscientes de sabotagem. No entanto, muitas vezes isso não acontecia, era muito mais simples e fácil lançar as culpas de tudo nos "inimigos do povo", tanto mais que a memória desses inimigos, escarnecendo das pessoas simples durante o tempo do czar, ainda estava fresca…

De certo modo, repetiu-se a situação dos primeiros anos da revolução e da guerra civil, quando a fúria de um ódio multi-secular de explorados contra exploradores, provocou a morte de dezenas de milhares de inocentes das camadas "alta" e "média". Será justo culparmos Lénine, Djerjinski [30] e os seus companheiros destes excessos e crueldades? Em termos abstractos podemos responder que sim, houve aqui e ali desatenções, falhas, precipitações, etc. No entanto, na prática, era simplesmente impossível conter de uma penada as paixões despertadas, parar a carnificina e o derramamento de sangue. Os bolcheviques fizeram tudo o que estava ao seu alcance, pondo a própria vida em risco, mas nem sempre lograram refrear a fúria das massas. Algo de semelhante ocorreu nos anos 30 com Stáline.

É verdade que o facto de muitos milhares de pessoas honestas, inocentes, terem sido vitimadas durante as repressões significou um grande dano para a nossa sociedade. Mas, no global, a firme depuração em grande escala do aparelho partidário-estatal e do Exército reforçou o país e teve um papel positivo. Nunca houve, nunca haverá na história verdadeiras transformações revolucionárias sem os seus custos, por vezes extremamente elevados e dolorosos.

Fala de "fúria popular", mas as repressões eram organizadas pelo aparelho do Partido e pelos órgãos do NKVD, os quais estavam nas mãos de Stáline…

Mas de onde vinham as pessoas que estavam no aparelho do Partido e nos órgãos de segurança de Estado? Claro que vinham do povo, no fundamental dos meios operários e camponeses. E reflectiam necessariamente o seu estado de espírito, o seu modo de pensar, a sua psicologia. E os operários e camponeses, também na altura, não estavam todos na vanguarda…

O dramatismo da situação residiu no facto de que a depuração, o reforço do país, teve de ser feito através de um aparelho, quer partidário quer estatal, que estava imundo. Por isso, uma onda de depuração era seguida de outra, desta vez já contra os que tinham cometido ilegalidades e abusos no exercício das suas funções. De resto, em termos relativos, os órgãos de segurança do Estado terão sido dos que mais sofreram. Eram "depurados" de forma regular e radical, sem qualquer complacência pelos serviços prestados ou biografias revolucionárias.

Não tenho dúvidas de que Stáline sabia das arbitrariedades e ilegalidades praticadas no decorrer das repressões, sofreu com isso e tomou medidas concretas para a correcção dos excessos cometidos e para a libertação de pessoas honestas da prisão. Aliás, naquele período, não se fazia muita cerimónia com os caluniadores e denunciantes. Muitos deles, após os desmascaramentos, eram metidos nos mesmos campos para onde tinham sido enviadas as suas vítimas. Paradoxalmente, muitos deles, soltos no período de Khruchov, vendo-se em liberdade, desataram a apregoar mais alto que todos sobre as ilegalidades stalinistas, conseguindo até publicar memórias sobre o assunto.

Desculpe, o que diz sobre a não participação de Stáline na repressão de pessoas honestas não é convincente. Mas mesmo admitindo isso como verdade, então, em primeiro lugar, ele tinha a obrigação de reconhecer perante todo o povo as ilegalidades cometidas, em segundo lugar, reabilitar os que sofreram injustamente e, em terceiro, tomar medidas para que tais ilegalidades não pudessem ocorrer mais no futuro. Veja que nada disto foi feito…

Visivelmente, você não está ao corrente dos factos. No que respeita às duas primeiras considerações que faz, lembro-lhe que o Plenário de Janeiro do CC do PCU(b) [Partido Comunista de toda a União (bolchevique)] em 1938, reconheceu publicamente as ilegalidades cometidas em relação a comunistas e pessoas sem partido honestos, aprovando sobre este assunto uma resolução específica que foi, aliás, publicada em todos os jornais nacionais. De forma igualmente aberta, o XVII Congresso do PCU(b), em 1939, referiu-se aos danos causados em todo o país pelas repressões infundamentadas.

Imediatamente após o Plenário do CC, em Janeiro de 1938, milhares de pessoas reprimidas ilegalmente, incluindo oficiais militares, começaram a regressar dos locais de reclusão. Todos foram oficialmente reabilitados e Stáline apresentou pessoalmente desculpas a alguns deles.

No que se refere ao seu terceiro considerando, já lhe disse que o aparelho do NKVB foi provavelmente o mais atingido pelas repressões, uma grande parte exactamente por ter sido chamada a responder pelos abusos de poder e represálias sobre pessoas honestas... A responsabilidade maior por essas repressões, como saberá, coube a Iagoda e a Ejov, antigos Comissários do Povo para os Assuntos Internos. Juntamente com os seus mais próximos colaboradores, foram condenados à pena capital e fuzilados pela morte das melhores pessoas, de experientes quadros do Partido. Quem lhes sucedeu, Béria, tinha fama de "liberal" e, nos primeiros momentos, restringiu de facto as proporções das repressões. No entanto, seduzido pelo poder, cedeu também a abusos e desagregou-se completamente no plano moral e de vida. Um ano e qualquer coisa antes da morte de Stáline, foi demitido do posto de Comissário do Povo e os seus colaboradores devotos foram detidos e colocados sob investigação. O cerco a Béria cerrava-se inexoravelmente e não foi por acaso que, nos últimos meses de vida de Stáline, desenvolveu uma actividade febril, sendo o primeiro, imediatamente após a sua morte, a desencadear a campanha de difamação do líder.

Mas falemos agora das medidas contra as repressões tomadas pelo XVIII Congresso do PCU(b), em 1939, que revogou a prática comum até então de depurações regulares no Partido. Na minha opinião pessoal, considero que foi uma decisão errada. Preocupado com os danos causados pelas repressões em massa, Stáline caiu noutro extremo e nitidamente precipitou-se. Lénine estava muito mais próximo da verdade quando sublinhou que o partido governante deve depurar-se constantemente dos que se aproveitam do poder e dos que a ele se encostam. O esquecimento deste ensinamento custou-nos terrivelmente caro. É verdade que só agora nos damos conta disso, na altura não duvidei da justeza da decisão tomada.

A propósito das perguntas que me tem feito, veio-me à memória um episódio. Quando, nos finais de 1939, muitas pessoas condenadas injustamente começaram a regressar dos locais de reclusão aos comissariados da Agricultura, expressei, na presença de Stáline, a minha satisfação a respeito deste assunto. A sua reacção, no entanto, foi para mim inesperada.

"- Para onde é que antes estavam a olhar?", perguntou, zangado, Stáline. "Provavelmente até conheciam essas pessoas, compreendiam em que situação se encontravam. Porque é que não intercederam em sua ajuda, e não vieram ter comigo no fim de contas? Não querem ter chatices? Se desejam uma vida sossegada devem sair do Comissariado. Aí, os “mochos sábios” podem causar muitos prejuízos."

No entanto, insisto, continua a ser difícil de acreditar que Stáline não soubesse o que se estava a passar no Comissariado dos Assuntos Internos...

Durante o período de Stáline, os comissariados tinham uma grande liberdade de acção. Isto era considerado como a principal premissa da capacidade de iniciativa e da autonomia do trabalho. O controlo, bastante rigoroso e constante, realiza-se na elaboração dos planos, na definição das orientações "estratégicas" do desenvolvimento dos sectores, bem como em relação aos resultados concretos das políticas aplicadas. Ninguém interferia com o trabalho corrente quotidiano de um Comissariado, como acontece hoje, em que um ministro, antes de dar um passo, não falando já das grandes decisões, tem de chegar a acordo várias vezes com as correspondentes subdivisões do Comité Central e outras instâncias de direcção. De resto, na altura, com excepção do departamento agrícola, não existiam quaisquer outros departamentos sectoriais no CC. É claro que sempre consultei os colaboradores do CC, as outras instituições, mas era autónomo nas decisões que tomava, por vezes até contra a opinião deles.

Pela amarga experiência de outros e em parte da minha própria, sabia que a responsabilidade pelos resultados seria individual, nenhuns "conselheiros" ou "colaboradores", incluindo secretários do CC ou mesmo membros do Politbureau, podiam ser chamados à colação. Stáline rapidamente nos tirava o hábito de nos escondermos atrás de costas alheias, passando a responsabilidade, como por vezes dizia irritado, para "um kolkhoz de pessoas irresponsáveis". Penso que em relação aos outros comissariados, incluindo o NKVD, funcionava o mesmo princípio.

Este estilo elevava o nível de responsabilização dos quadros dirigentes, permitia identificar com nitidez "quem era quem" na prática, coisa que hoje é difícil de determinar: há demasiadas assinaturas e acordos que possibilitam a um dirigente eximir-se de qualquer responsabilidade. Mas havia, infelizmente, o reverso da moeda. Refiro-me ao "isolamento" dos comissariados das influências externas e à possibilidade de abusos de poder. Aparentemente, estas circunstâncias manifestaram-se quando à frente do NKVD foram colocadas pessoas bem preparadas do ponto de vista profissional, mas pouco consistentes no plano político e ético-moral. Quando o controlo se apertou, foram demitidas dos seus cargos e pagaram pelos seus actos. Entretanto, tinham sofrido pessoas inocentes e sem dúvida que Stáline tem aqui uma quota-parte de responsabilidade.

Hoje é fácil gritar sobre os erros do passado, muito mais difícil é determinar e compreender as suas causas. Aliás, sempre foi mais fácil falar do que reflectir. Neste sentido, entendo bem os seus colegas jornalistas e literatos…

Permita-me que lhe coloque mais uma pergunta ardilosa. Disse que Stáline até incentivava os comissários do povo a defenderem as pessoas injustamente reprimidas. É curioso, mas teria você conservado o seu cargo se interviesse em favor, digamos, de Tukhatchevski, Voznessenski ou de Bliukher [31] ? A opinião corrente é que foram reprimidos porque Stáline os encarava como concorrentes na luta pelo poder…

Em favor das pessoas que enumerou não teria intercedido pela razão simples de que, na altura, estava inteiramente convencido da sua culpa, como, aliás, estava a esmagadora maioria dos soviéticos. Quanto à "luta pelo poder" e à eliminação dos "concorrentes", desculpe mas não passam de invenções ocas.

As apreciações simplificadas são sempre atractivas. A este propósito disse muito bem Belinski [32] : "Quanto mais estreita for uma opinião, mais ela será acessível à maioria, que gosta de que o bom seja sempre bom e o ruim sempre ruim, não querendo sequer ouvir falar de que um mesmo objecto possa conter em si o bom e o ruim". E se, na sua essência, repito mais uma vez (agora sem qualquer ressalva sobre a minha incompetência), o despotismo e a avidez de poder nada tiveram a ver com as repressões, pelo menos no caso de Stáline, já que em relação aos que o rodeavam a situação é distinta…

Encontrei-me e conversei com Stáline dezenas de vezes, vi como ele decidia os problemas, como se relacionava com as pessoas, como reflectia e hesitava, procurando saídas para as situações mais complicadas. Posso afirmar peremptoriamente: sentindo profundamente os mais altos interesses do Partido e do País, ele nunca teria sido capaz de os pôr em causa, eliminando como potenciais concorrentes pessoas talentosas. Os pretensos peritos que, com ar catedrático, proferem tais alarvidades, simplesmente não conhecem a verdadeira situação de como as coisas se faziam na direcção do País.

Apesar da opinião corrente, nesses anos, todas as questões, incluindo as que se relacionavam com a destituição de figuras destacadas do Partido, do Estado e Exército, eram decididas no Politbureau de forma colegial. Nas reuniões do Politbureau havia frequentemente debates e discussões inflamadas, onde eram expressas opiniões diferentes, por vezes opostas, naturalmente enquadradas nos objectivos angulares do Partido. Não havia uma unanimidade implícita e submissa – Stáline e os seus camaradas não suportavam tal coisa. Digo isto com inteiro fundamento porquanto estive muitas vezes presente nas reuniões do Politbureau.

É verdade que o ponto de vista de Stáline, regra geral, impunha-se. Mas isto acontecia porque ele objectivamente equacionava os problemas de forma aprofundada, via mais longe e mais fundo que os outros. As pessoas são pessoas e gradualmente habituavam-se a isto, seguindo a lei do menor esforço, e deixavam de defender os seus pontos de vista até ao fim. Stáline dava-se conta do perigo que isto representava, zangava-se, mostrava como exemplo N.A. Boznessenski, que defendia firme e consequentemente as suas opiniões. Contudo não conseguiu alterar a situação. Ao passar a barreira dos 70 anos, começou a ceder notoriamente. A idade e a tremenda tensão dos assuntos de Estado produziam, visivelmente, os seus efeitos. Mas no final dos anos 30, a colegialidade no trabalho do Politbureau revela-se de forma muito precisa. Houve casos, bastante raros é certo, em que Stáline ficou em minoria nas votações. Isto aconteceu em particular no referente às repressões, matéria em que Stáline tinha posições mais "suaves" dos que muitos outros membros do Politbureau.

Estou convencido que Tukhatchevski, Iakir, Bliukher e outras grandes figuras foram reprimidas por razões políticas e na sequência de decisões colegiais do Politbureau. Motivações pessoais, se é que as houve, tiveram um papel secundário. Outra questão é a de saber até que ponto aquelas razões eram fundamentadas e reflectidas. Naturalmente que era possível cometerem-se erros. Mas para compreendermos e reconstituirmos um quadro autêntico do passado precisamos de fazer uma abordagem política sob a perspectiva dos interesses do Estado e de realizar uma análise aprofundada e multilateral do assunto…

E quanto a Tukhatchevski…

Não se cansam de repisar no mesmo: Tukhatchevski, Tukhatchevski… por todo o lado se ouve que o verdugo do Stáline matou o mais talentoso cabo-de-guerra soviético. Quantas vezes falei sobre os anos 30, e sempre a mesma pergunta… Até que um dia, já farto de tudo isto, fui ter com um velho conhecido, aliás, crítico assumido de Stáline, que esteve directamente ligado ao trabalho da comissão para a reabilitação de Tukhatchevski.

"- Era um homem complicado", respondeu-me. "Não lhe agradava a direcção do Partido no Exército e também não lhe faltava presunção e sobranceria aristocrática. No entanto, raramente aparecem chefes militares como ele, com um avanço de décadas, um enorme talento, não era por acaso que os alemães o temiam mais do que a todos os outros. Foram eles que forjaram a falsificação e o NKVD fabricou o processo. Do ponto de vista jurídico, a acusação é totalmente inconsistente. Foi justamente reabilitado, não tenhas dúvidas.

"-Espera lá, então tanto fumo e afinal não havia nenhum fogo? A acusação foi assinada pelo Bliukher e Alksnis [33] . Sabes bem que não eram capazes caluniar gente honesta mesmo sob ameaça de morte…

"- Sim, alguma coisa houve. Foi apurado que Tukhatchevski convocou uma reunião secreta, onde foram discutidos os planos para a destituição de Vorochilov (então Comissário do Povo – V.L.). Mas juridicamente nenhum aspecto da acusação ficou provado.

"- Ora bem, estás a ver! Em qualquer país isso é motivo suficiente para a destituição e mesmo para julgamento. Em todo o lado os ministros da Defesa são destituídos e nomeados pelas mais altas instâncias. Pensas que Tukhatchevski contava convencer Stáline e outros membros do Politbureau com a sua eloquência? Então para que era o secretismo? O que temos é um caso de conspiração, de traição ao Estado…

"- Não te exaltes, Ivan! Tu nunca percebeste grande coisa de jurisprudência. São necessárias provas concretas, factos precisos, indícios irrefutáveis, numa palavra, todos os atributos da legalidade, e nestes caso tudo foi forjado. E também não é verdade que Tukhatchevski fosse um traidor, o mais provável é que se tenha tratado de um caso de intriga, de uma luta entre o talento e a nulidade…"

Juridicamente não sei, mas do ponto de vista da defesa dos interesses do país, se é verdade que Tukhatchevski e o seu grupo tinham a intenção de destituir o Comissário do Povo para a Defesa, era necessário removê-los de cargos decisivos! A guerra aproximava-se no mapa, estava em causa o destino do socialismo, do povo, manter no mais alto comando pessoas capazes de infringir a mais elementar disciplina, o seu dever militar, teria sido um crime. Podemos imaginar o rumo que tomariam os acontecimentos se, nos momentos críticos da guerra, em vez de um só general que traiu a Pátria, Vlassov, tivéssemos tido algumas dezenas, ainda para mais nos postos mais influentes! E de pouco nos serviria que o golpe pelas costas ao "regime stalinista" assentasse ou não em "pressupostos ideológicos". O resultado teria sido o mesmo. O exército francês foi destroçado em poucas semanas pelos fascistas em grande parte porque nos círculos político-militares do país não havia unidade, os generais brigavam com os políticos e entregam-se a sentimentos derrotistas.

Veja que, se cavarmos um pouco mais fundo, se questionarmos as ideias preconcebidas, a visão esquemática do "déspota Stáline que eliminou pessoas de grande talento" começa a ruir por si própria... Penso que boa parte do que se passou nas repressões nos anos 30 e 40 ultrapassará os limites desta visão esquemática se estudarmos o assunto de forma objectiva e séria.

A sua opinião é convergente com as posições de uma destacada figura do Partido Bolchevique, próxima de V.I. Lénine, Helena Dmitrievna Stassova [34] . Apesar de toda a antipatia que sentia em relação a Stáline, considerava que não se podia responsabiliza-lo directamente pelas repressões injustificadas e pela eliminação de pessoas honestas. Helena Dmitrievna insurgiu-se contra as acções de Khruchov, considerava-o como um "aventureiro irresponsável", um "visionário fantasista" [35] . A sua análise também se aproxima das considerações do grande escritor alemão L. Feuchtwanger [36] , que visitou a União Soviética em 1937 e publicou as suas impressões num livro. Feuchtwanger quis investigar pessoalmente se na realidade Stáline estava a eliminar pessoas com talento só para reforçar o seu regime e o seu despotismo. O escritor, que manifesta o seu desacordo de princípio com os métodos "bolchevistas" de governação, em particular no "campo das artes", esteve presente nos processos de Piatakov e de Radek, conversou pessoalmente com muitos acusados e chegou à firme conclusão de que os processos eram inteiramente fundamentados e que as acções de Stáline e dos seus camaradas correspondiam aos mais altos interesses do povo e do Estado soviético. Feuchtwanger qualificou o comportamento de muitos intelectuais ocidentais, que lançaram rumores sobre as "malfeitorias stalinistas", como míopes, indignos e infames. Mas tudo isto, tal como as opiniões, é pouco convincente: há demasiados factos evidentes que o contradizem...

Que posso eu fazer, este é o meu ponto de vista pessoal e avisei-o de que são necessários materiais e documentos de arquivo que não possuo. Mas quanto à "evidência", aconselho-o a ser prudente. Nós condenámos o voluntarismo, mas não tem havido por enquanto vontade de relatar a história, apesar de neste sentido terem sido dados nos últimos anos alguns passos tímidos...

Pense ainda numa coisa. Nos "despóticos anos 30", as actas dos processos políticos eram publicadas e eram de facto acessíveis a qualquer pessoa, apesar de conterem opiniões e versões contrárias à posição oficial. Com Khruchov, partidário da "abertura" e da "transparência" [ glasnost, em russo], tudo isto foi colocado em fundos secretos e de acesso reservado. Não terá sido porque esses documentos contradizem a "evidência" dos "factos" apresentados e interpretados oficialmente?

Quanto a Feuchtwanger, o que lhe posso dizer é que não estava sozinho. Romain Rolland, Henri Barbusse, Anderson-Nexö [37] e outros escritores progressistas, cientistas e artistas plásticos, apoiaram abertamente a política de Stáline e dos seus camaradas. Mesmo Einstein, pouco dado aos "métodos musculados" na política, recusou-se a subscrever um apelo condenando as repressões... É um facto indesmentível que a nata da intelectualidade ocidental, que permaneceu fiel aos ideais do progresso e do humanismo, demarcou-se da campanha estridente de desmascaramento "dos crimes stalinistas". Ao contrário, os hipócritas e sediciosos, que traíram estes ideais, chegando ao colaboracionismo com o fascismo e a reacção, berraram mais alto que todos contra o "terror stalinista". É também um bom assunto para reflectir...

Foi Comissário do Povo para a Agricultura da URSS exactamente numa altura em que, na biologia soviética, se agudizou o conflito entre os partidários da tradicional doutrina de Mitchúrin e a genética, entre Lessienko [38] e Vavilov [39] . Sabe-se que Stáline e o seu comissariado apoiaram Lessienko e a escola soviética de genética foi autenticamente destroçada e muitos dos seus sobreviventes, incluindo Vavilov, reprimidos. A biologia nacional, que nesse tempo era das mais avançadas, começou a ficar seriamente atrasada em relação aos padrões mundiais. Concordará que, depois de tudo isto, dificilmente se acreditará na competência da direcção stalinista da ciência. Já não falo dos métodos inadmissíveis de represálias contra os que divergiam da linha dominante. Khruchov, apesar de todos os seus defeitos, relacionava-se com os cientistas pelo menos de forma civilizada…

Khruchov tem muito mais culpas no atraso da genética do que Stáline. Nos anos 30, era incomparavelmente mais difícil prever as suas perspectivas de desenvolvimento do que nos anos 50. Nikita Sergueievitch ficou literalmente enfeitiçado com as espantosas promessas de Lessienko, nas quais, ao contrário de Stáline, acreditava incondicionalmente, o que fez com que os investigadores genéticos não recebessem o apoio necessário, ainda por cima numa altura em que já começavam a vislumbrar-se êxitos palpáveis. Não tenho dúvidas de que Stáline, dotado de uma intuição extraordinária para o valor prático da aplicação de novas orientações, se tivesse durado mais cinco ou seis anos, os investigadores genéticos teriam recebido tudo o que pediam e muito mais. Podem apontar-lhe outras insuficiências, mas concentrar forças e recursos nos sectores decisivos, descobrir e promover talentosos cientistas-organizadores era uma coisa que fazia como ninguém. É um facto que foi Stáline um dos primeiros líderes políticos do mundo a tomar consciência do enorme significado prático da investigação nuclear e da exploração espacial. É igualmente sintomático que tenha sido ele a dar todo o apoio a I.V. Kurtchatov [40] e S.P. Koroliev [41] , então quase desconhecidos e pouco considerados pela elite académica. Quebrando a paralisia e rotineirismo dos cientistas da época, o CC do Partido, sob a direcção de Stáline, "iluminou-se" e atribuiu uma importância de Estado a estas orientações que a muitos, mesmo no mundo científico, pareciam fantasistas. Em resultado, apesar do seu atraso económico de décadas em relação ao Ocidente, o nosso País conquistou as posições mais avançadas nos sectores chave do progresso científico-técnico, lançando os fundamentos materiais do estatuto de grande potência.

Já falou disso no início da nossa conversa a propósito da economia…

E então, repito mais uma vez, terá de ter paciência se me quiser ouvir até ao fim.

A maioria das escolas inovadoras, que colocaram a ciência soviética nas últimas fronteiras mundiais, foram criadas e ganharam força no amaldiçoado, por jornalistas e literatos, período stalinista. O seu florescimento aconteceu no final dos anos 50 e inícios da década de 60. A partir daí, gradualmente, tudo começou a andar para trás. Distintas escolas nacionais começaram a definhar, os interesses de grupo e o monolitismo de clãs de notáveis tornaram-se dominantes na ciência, a qualidade dos cientistas, em particular na área humanitária, baixou nitidamente.

Julgo que encontrará nos jornais inúmeros exemplos de como poderosos clãs de cientistas afastam talentosos "forasteiros". Pode dizer o que quiser, mas eu estou absolutamente convencido de que, hoje, no início dos anos 80, o CAU [Coeficiente de Actividade Útil] [42] da nossa ciência é muito menor do que o de há 40 anos e todo o tipo de porcaria, que impede o seu desenvolvimento normal, é incomparavelmente maior. De resto, os processos de depuração estão atrasados em todo o lado.

Ainda assim gostava que me desse mais pormenores sobre a genética…

Muito bem, voltemos a ela. No final dos anos 30 e nos primeiros anos do pós-guerra, quando o País sentia graves carências de forças e recursos, primeiro para aguentar o embate com o fascismo, depois para a sua reconstrução a partir de ruínas, não podíamos dar-nos ao luxo de manter uma ciência estéril, afastada das exigências cruciais da vida. Naqueles anos, tudo se submetia literalmente ao objectivo do reforço do potencial económico e militar, qualquer problema era antes de mais analisado sob este ângulo.

As investigações científicas realizadas por Lessienko e os seus colaboradores estavam orientadas com precisão para resultados concretos e, numa série de casos, já tinham produzido efeitos práticos palpáveis. Refiro-me designadamente ao aumento do rendimento das colheitas e à introdução de novas culturas agrícolas, mais promissoras. Os trabalhos de Vavilov e dos seus discípulos nem sequer num futuro previsível prometiam quaisquer resultados práticos, quanto mais no horizonte de então.

Note-se também que entre os genéticos predominavam cientistas com espírito burguês e tiques elitistas, por vezes claramente contrários ao povo, fazendo gala do seu "apoliticismo" e da sua fidelidade à "ciência pura", a qual, alegavam, não podia ocupar-se com as necessidades "terrenas". Alguns deles chegaram a solidarizar-se quase que abertamente com as odiosas teorias racistas do fascismo e trabalharam na sua demonstração. Um desses snobes académicos, o biólogo Timofeev-Ressovski, optou mesmo pela traição pura à Pátria, ficando voluntariamente na Alemanha fascista onde, durante toda a guerra, trabalhou no Instituto de Investigação Científica de Berlim, estreitamente ligado aos serviços especiais do Reich de Hitler.

Tais pessoas, naturalmente, não despertavam simpatia. Mas o principal, repito, foi que os genéticos não conseguiram demonstrar na altura a importância e as perspectivas de desenvolvimento das suas investigações.

É claro que hoje se torna evidente que o "pragmatismo" excessivo revelado travou o desenvolvimento da "grande ciência". Mas os culpados por este engano são sobretudo os que tinham a responsabilidade directa pelas ciências académicas e, também de certo modo, eu como ministro da Agricultura da União. Stáline, que sempre esteve bastante afastado deste problema, incitava-nos, aliás, constantemente a acompanhar as orientações promissoras da ciência, os mais recentes avanços e as inovações técnicas, a defender os cientistas talentosos dos ataques e intrigas dos medíocres e invejosos.

Mas o erro que cometemos não teve, apesar de tudo, um significado decisivo. Mesmo agora, do alto das décadas que já passaram, continuo a considerar que a linha política adoptada pelo Partido de aproximar, por todos os meios, a ciência agrónoma à vida, às suas exigências e necessidades, estava no fundamental certa. O próprio Vavilov, que dirigia na altura o Instituto de Fitocultura, reconheceu isso na prática ao prometer várias vezes alargar o âmbito extremamente especializado da sua investigação e reorientar a actividade do Instituto para a realidade da Agricultura.

Mas não vai negar que, na polémica Lessienko-Vavilov, a vitória ficou do lado da ignorância e desonestidade, da intolerância com pontos de vista diferentes e que a simpatia de Stáline por Lessienko criou condições para que se afirmasse na biologia esse monolitismo de um grupo de pessoas que hoje se tornou, eventualmente, no maior travão ao desenvolvimento da ciência…

Porque é que não vou negar?!... Nego e negarei com firmeza. Mas primeiro permita-me que resmungue um pouco, eu que sou um velho. A forma tendenciosa e unilateral como coloca as perguntas não o enobrece. A sensação que tenho, ao vê-lo repetir invenções medíocres que os chamados "círculos intelectuais" gostam de veicular, é que você já defende determinadas posições. Para que é que quer então as minhas opiniões? Um jornalista deve ser objectivo e isento se desejar verdadeiramente compreender algo, e não repetir incompreensíveis frases em voga. Quero a este propósito citar as notáveis palavras de V.I. Lenine: "Não se podem analisar factos em separado, é necessário ter em conta todo o conjunto de factos relacionados com a questão em análise, sem excepção, já que, de outra forma, surge inevitavelmente a suspeita de que, em vez de uma ligação objectiva e de uma interdependência dos acontecimentos históricos no seu todo, estamos perante um cozinhado "subjectivo" para justificar um eventual caso sujo. E isto acontece… mais frequentemente do que parece" [43] .

Pelos vistos você também caiu nesse "cozinhado subjectivo". Só que em relação a Stáline, alguns políticos sem escrúpulos fizeram-no para justificar os seus próprios actos indecorosos, enquanto na história de Vavilov, o mesmo foi feito por figuras da ciência igualmente sem escrúpulos.

Aceito a crítica e tentarei ser mais objectivo embora, como compreenderá, não seja fácil desistir de imediato daquilo que considerava ser incontestável... Não obstante, como avalia as afirmações, amplamente divulgadas, que acusam Lessienko de charlatanismo e apresentam Vavilov como um mártir?

Como o mais típico dos exemplos de sectarismo. Empenhadas em manter o seu monopólio (como é sabido, nos últimos 20 anos, os cientistas genéticos têm dominado alguns dos mais importantes sectores da biologia), certas pessoas fazem circular informações notoriamente falsas e caluniadoras dos seus "concorrentes".

Conheci bem Trofim Denissovitch Lessienko, os seus pontos fortes e fracos. Posso afirmar com segurança que foi um grande e talentoso cientista que fez muito pelo desenvolvimento da biologia soviética, o que nunca foi posto em causa pelo próprio Vavilov, o qual, aliás, o levou para a grande ciência, valorizando extraordinariamente os primeiros passos do jovem agrónomo. E é um facto que com base nos trabalhos de Lessienko foram criadas importantes culturas agrícolas como o trigo tremês [44] "Liutentses-1173" e "Odesskaia -13", a cevada "Odesski-14" e o algodoeiro "Odesski-1", foram elaborados numerosos novos processos agrotécnicos, designadamente, a vernalização [45] e o corte do algodoeiro. Um discípulo leal de Lessienko, que o respeitou profundamente até ao fim dos seus dias, foi Pavel Panteleimonovitch Lukianenko [46] , talvez o mais talentoso e fértil seleccionador, responsável pelo desenvolvimento de 15 novas espécies regionais de trigo de inverno, nomeadamente algumas mundialmente conhecidas como a "Bezostaia-1", "Avrora" e "Kavkaz". O que quer que digam os "críticos" de Lessienko, nos campos cerealíferos do País predominam culturas introduzidas por ele e pelos os seus seguidores e discípulos. Era bom se tivéssemos mais "charlatães" como ele! Há muito que teríamos, provavelmente, resolvido o problema do rendimento das colheitas e retirado da ordem do dia o do abastecimento do País com cereais. Os êxitos dos cientistas genéticos permanecem por enquanto muito mais modestos (não será também devido a esta sua posição frágil, aos seus baixos resultados práticos, que lançam ruidosas acusações aos seus adversários?). Não nego os seus êxitos, entenda-se, mas estou convencido de que o estabelecimento do monopólio de uma escola científica produz grandes malefícios...

Por outro lado, é verdade que muitas das premissas de Lessienko não tiveram confirmação experimental e algumas outras revelaram-se erradas. Mas indique-me um só cientista que seja que nunca se tenha enganado, nem tenha colocado hipóteses falsas? E por isso declaramo-lo "charlatão"?

Sobre a luta entre as orientações de Vavilov e de Lessienko, abundam as especulações que deturpam o quadro autêntico do que se passou. Em primeiro lugar, esta luta decorreu com vitórias alternadas: houve vários momentos em que Lessienko esteve em minoria. Por exemplo, as decisões do Plenário do CC, de Fevereiro de 1947, apontavam uma série de orientações erradas do seu trabalho. Lembro-me bem da crítica contundente feita a Lessienko pelo responsável do Departamento para a Ciência do Comité Central do Partido, Iuri Jdanov [47] , embora seja verdade que este, ao longo da discussão, alterou o seu ponto de vista.

Mas continuemos em frente. Por muito que dramatizem a perseguição dos genéticos, o facto que permanece é que muitos cientistas desta orientação (duramente criticados na famosa sessão da Academia das Ciências de Agronomia Lénine em 1948, onde os partidários de Lessienko predominaram), continuaram o seu trabalho, embora em piores condições. Daqueles cujos nomes me recordo (Nemtchinov, Dubinin, Rapoport, Jebrak), todos continuaram na ciência, apesar da condenação bastante violenta de Lessienko e dos seus partidários e, o que é relevante, apesar de terem rejeitado o acto de "arrependimento". Quanto às repressões, estas exerceram-se não devido a visões diferentes, mas por acções concretas de sabotagem, não obstante, também aqui, se terem verificado casos de arbitrariedade e ilegalidades, os quais, aliás, atingiram também cientistas que estavam face aos genéticos do outro lado das barricadas científicas. Se a memória não me atraiçoa, apenas se concretizou um só processo judicial pouco antes de a guerra deflagrar.

Chamo ainda a sua atenção para uma outra circunstância. Após o destronamento de Lessienko e dos seus seguidores, todos os sectores chave das ciências biológicas foram ocupados pelos seus adversários científicos que aproveitaram a oportunidade. Basta isto para provar que "a eliminação geral dos genéticos" não passa de uma invenção maldosa, exagerada, infelizmente, por jornalistas e literatos incompetentes.

No entanto, aparentemente, Stáline era benevolente com Lessienko e antipatizava com Vavilov...

Nesse ponto posso concordar com você. Mas com uma ressalva: Stáline normalmente não se deixava guiar pelas simpatias ou antipatias pessoais, mas baseava-se nos interesses em causa. Penso que foi isso que aconteceu também neste caso.

Não me recordo com exactidão, creio que foi em 1940, quando dois cientistas biólogos, Liubichev e Efroimson, endereçaram uma carta ao Comité Central. Num tom bastante violento, acusavam Lessienko de falsear factos, de rudeza e intriguismo entre outros pecados mortais. A carta apelava a uma severa deliberação do órgão contra o "charlatão", responsável por enormes prejuízos na ciência biológica.

Coube-me participar na verificação daquelas afirmações. Lessienko, como seria de esperar, justificou-se, apresentando vários argumentos, uns convincentes, outros não, mas não exigiu quaisquer "represálias" em relação aos queixosos. Era o seu estilo, nunca quis transformar a ciência numa luta em que os concorrentes derrotados fossem obrigatoriamente afastados. Acreditava apaixonadamente, com fanatismo, que tinha razão, alimentando por vezes a esperança ingénua de que os seus adversários, perante a irrefutabilidade dos factos, cedo ou tarde chegariam à mesma conclusão e "deporiam as armas", por vontade própria, sem interferências das instâncias dirigentes. "Está a ver", observou a propósito Stáline, que detestava as pequenas desavenças e contendas características dos meios científico e artístico. "Quase que querem metê-lo atrás das grades, enquanto ele continua a pensar primeiro que tudo no trabalho e não desce ao plano pessoal. É uma boa qualidade, de grande valor para um cientista".

Outro facto típico de Lessienko ocorreu quando prenderam Vavilov. Os seguidores e "amigos" mais próximos deste, pondo-se a salvo, confirmaram uns atrás dos outros a versão "sabotadora" do investigador. Lessienko, que na altura combatia as posições científicas de Vavilov, recusou-se categoricamente a fazê-lo e reafirmou a sua recusa por escrito. Note-se que na época, uma acusação de cumplicidade com "inimigos do povo" podia sair cara a pessoas com postos muito mais importantes do que o de Lessienko, e ele sabia-o perfeitamente...

Não digo que Trofim Denissovitch tivesse sempre um comportamento exemplar. Por vezes era dominado pela sua teimosia, facciosismo e propensão para frases políticas retumbantes. Mas não há certamente pessoas sem defeitos. O importante é que as suas qualidades prevaleçam.

No entanto, repare-se que o meu julgamento assenta nos valores morais da "humanidade". Estou convicto de que Stáline, à semelhança do que fazia com outros problemas, terá analisado este sob uma perspectiva política. O que quero dizer com isto?

A superação do atraso e o alcance das fronteiras mais avançadas do progresso científico-técnico exigia que o país tivesse cientistas de novo tipo, do tipo socialista, livres dos defeitos da intelectualidade burguesa russa, com a sua frouxidão, indolência desastrada e o seu desdém aristocrático pelo povo mais simples. Falando numa linguagem moderna, nos anos 30 foi feita uma grande encomenda social de cientistas civicamente activos, estreitamente ligados aos trabalhadores e à sua luta revolucionária pela criação da nova sociedade, pessoas que não se conformassem com as rotinas e dogmas académicos, "dormindo sobre os louros", pessoas empenhadas na resolução das tarefas práticas necessárias.

O excelente filme "O Deputado do Báltico", cujo protagonista era inspirado no grande cientista-biólogo Timiriazev [48] , reflecte com profundidade e veracidade todo o dramatismo do confronto de um cientista como ele com a "mesquinhez educada", que na altura predominava na ciência, impregnada de hábitos e preconceitos burgueses. Infelizmente, a maior parte da intelectualidade anterior à revolução tinha posições burguesas, os Timiriazev eram casos únicos. Mas foi das suas mãos que cientistas de novo tipo, socialista, saídos do povo profundo, como Lessienko, receberam o testemunho. Por seu lado, Vavilov nunca conseguiu livrar-se dos defeitos da elite académica pré-revolucionária.

Na polémica científica que deflagrou nos anos 30, Lessienko e os seus seguidores revelaram maior combatividade, solidez, perseverança e firmeza de princípios. Vavilov, como reconheciam os seus correligionários, manobrava de uma para a outra posição, tentando manter boas relações com "uns e com outros", o que a mim, por exemplo, causava irritação e desconfiança, levando-me a supor que não estava convencido do que dizia ou que temia consequências. Penso que as pessoas que dirigiam directamente a ciência naquele período tinham os mesmos sentimentos, embora fosse claro que as decisões nestas matérias não deviam ser tomadas na base das emoções.

Vavilov revelou também alguma cobardia e fraqueza quando esteve sob investigação. Não aguentando a pressão psicológica do investigador, não só admitiu as calúnias contra si próprio, mas também denegriu os seus colegas, admitindo a existência de um grupo de sabotadores no Instituto de Fitocultura, o que provocou tormentos e sofrimentos a pessoas completamente inocentes. Só soube disto muito mais tarde. Nesse período nem eu, enquanto comissário para a agricultura, nem muito menos Stáline, estivemos envolvidos nas peripécias da luta entre Lessienko e Vavilov ou nas circunstâncias da prisão deste último.

Lessienko, mesmo sob a ameaça de esquartejamento, nunca se entregaria a si e muito menos aceitaria caluniar outros. Tinha uma vontade de ferro e princípios morais inabaláveis, dos quais era impossível demovê-lo. Outra coisa era que por vezes caía numa inexplicável teimosia e irritação e começava a fundamentar nas suas emoções a base "teórica".

Suponho que não era por acaso que os jovens cientistas se sentiam atraídos por Trofim Denissovitch. Pode por vezes faltar-lhes experiência, mas sabem muito bem distinguir o autêntico do que é falso. Estive algumas vezes em encontros de Lessienko com estudantes, pós-graduados e jovens cientistas e posso garantir-lhe que ele sabia "aquecer" um auditório, conquistá-lo, incutir na juventude o desejo apaixonado pela busca criadora, pelo alcance de resultados extraordinários. Pelo contrário, os cientistas da nata pré-revolucionária (lembro-me bem da minha passagem nos anos 20 pela Academia de Agronomia) não despertavam especial simpatia em nós, juventude operária, que tínhamos a aspiração de explorar a grande ciência. Muitos deles aderiram à revolução com um grande atraso e fizeram-no com um "pau atrás das costas", como se costuma dizer, demonstrando manifesta hostilidade para com os "filhos da cozinheira" que ousavam iniciar a caminhada até ao Olimpo da ciência. Para os que vinham dos meios operários e camponeses, Lessienko, dedicado aos ideais da revolução até à medula dos ossos, constituía o exemplo evidente do muito que um homem simples pode alcançar, possuído pela sede de verdade, pela vontade ardente de transformar a ciência numa poderosa alavanca para melhorar a vida das pessoas. É claro que tudo isto se reflectia na relação de Stáline com Lessienko, já que ansiava envolver activamente na ciência a juventude operária e camponesa.

Mas disse que Stáline tinha sobre Lessienko uma opinião mais crítica do que Khruchov...

É verdade. Ele via com mais clareza os defeitos do cientista. Na minha presença, várias vezes admoestou Trofim Denissovitch, embora de forma delicada, pela sua tendência de andar sempre com uma "base marxista no bolso do casaco", ou seja, de levar a ideologia e a terminologia marxistas para esferas onde não existe uma relação directa. No mesmo sentido, Stáline fez considerações críticas ao relatório, por ele aprovado em geral, que Lessienko apresentou na referida sessão da Academia das Ciências de Agronomia Lénine em 1948.

Interessante foi também a reacção de Stáline ao incumprimento da promessa de Lessienko de elevar o rendimento das colheitas em quatro ou cinco vezes. "Camarada Lessienko, pelos vistos, o objectivo que colocou é pouco realista", disse-lhe certo dia. "Mas mesmo que só consiga elevar o rendimento das colheitas uma vez e meia ou duas, isso já será um grande sucesso. De nada vale tirar o prazer aos cientistas de colocarem objectivos irrealistas, do ponto de vista prático. O que hoje parece irrealista amanhã pode tornar-se num facto evidente. Já temos muitos cientistas “mochos” que preferem levar uma vida calma, sem objectivos irrealistas. Se penalizássemos Lessienko apareceriam ainda mais “mochos” desses."

A propósito, já não de Lessienko, quero dizer-lhe que Stáline apoiou várias vezes os cientistas marginais, inventores-solitários que colocavam, na opinião de especialistas reconhecidos, objectivos "irrealistas". Insistia para que lhes fosse dado apoio, recursos, etc. Tal como outros comissários, também eu levei muitas vezes "nas orelhas" por recusar apoio a um ou outro lunático que me aparecia com mais um projecto do "propulsor eterno". Na maioria dos casos, naturalmente, o "propulsor eterno" não funcionava, o que era comunicado a Stáline, mas houve também excepções. No entanto, os numerosos insucessos dos "artesãos-solitários" não o desanimavam e voltava a insistir com os comissários para que prestassem atenção aos projectos "inovadores". Nessa altura, a atitude de Stáline parecia-me errada, já que nos desviava de assuntos mais importantes, fazendo-nos perder muito tempo e paciência. Mas hoje vejo o assunto de outro modo.

A nós, dirigentes da economia, Stáline habituou-nos a relacionarmo-nos com extrema atenção com os projectos e propostas dos "outsiders" e incentivarmos a actividade criadora das massas no campo da técnica, e conseguiu alguns resultados. É certo que os inventores e os operários que melhoravam os processos de produção, nos anos 30 e 40, não tinham só facilidades, especialmente aqueles que contrariavam a linha oficial (também então havia bastantes adeptos da "vida calma" em todos os níveis). Mas, pelo menos, nesses anos lutava-se efectivamente e com resultados contra o conservadorismo, o rotineirismo, o "egoísmo de grupo" dos departamentos e instituições científicas. Havia muito menos disto do que há hoje. Casos de descobertas importantíssimas e de grande valor que ficam nas prateleiras durante décadas, enquanto os seus autores são submetidos a refinadas perseguições e humilhações por parte de departamentos e institutos científicos que se guiam por interesses próprios, eram naqueles anos inconcebíveis. Os burocratas depressa se fariam apanhar em "actos de sabotagem" (e na sua essência é disso que se trata) com todas as consequências e incómodos correspondentes. Falando honestamente, quando leio os jornais de hoje descrevendo os tormentos dos actuais Kulibin [49] e Polsunovi [50] , penso involuntariamente que, afinal de contas, o velho método era muito mais útil e "humano" para o País do que este sermões e apelos infindos "ao espírito de partido" feitos a partir das mais altas tribunas...

No entanto em relação à genética, Stáline cometeu uma clara arbitrariedade, e a cibernética também foi desprezada...

Por todo o lado não se ouve falar de outra coisa: genética e cibernética, cibernética e genética. A acreditar nesses literatos e jornalistas, não teria existido ciência no período stalinista, mas apenas perseguições e erros absurdos...

É verdade que se cometeram erros e falhas, o que é normal em qualquer actividade. Porém, o facto é que nos anos 30 tais erros eram incomparavelmente menores do que os de hoje e o próprio ambiente na ciência era mais saudável, criativo e, se quiser, havia mais moralidade. Em todo o caso, na altura, os verdadeiros cientistas tinham papel determinante, enquanto hoje a situação criada pelos medíocres e nulos é tal que os verdadeiros cientistas asfixiam. Falo em particular da ciência agronómica, mas as coisas são semelhantes um pouco por todo o lado.

Dezenas ou mesmo centenas de institutos desnecessários, que trabalham para si próprios, milhões de ociosos que passam os dias sem fazer nada, clãs monopolistas de "notoriedades", que repartem a ciência em esferas de influência e juntam esforços apenas para se verem livres de "forasteiros" talentosos – eis o quadro actual, verdadeiro, da nossa ciência, a qual, pressupõe-se, está "liberta" do " diktat e violência" stalinistas! E se alguém honesto tentar pôr as coisas em ordem, limpar as esferas científicas dos elementos parasitários e todo o tipo de canalhas, levantar-se-ia de imediato um clamor em todo o mundo: "ó da guarda, é o regresso a 1937, aos métodos depravados e condenados do “culto”!".

Em vez de se combater a torpeza dos nossos dias, que há muito supera, quer em escala quer pela gravidade dos efeitos, tudo o que no passado aconteceu, prefere-se remexer nos erros de há quarenta anos, os reais e os inventados, repisar sobre a genética e cibernética, cibernética e genética... O que, aliás, até se compreende: nada custa dar mais um pontapé nos líderes mortos, mas tentem fazer o mesmo com o director de um qualquer instituto ou simplesmente com um professor catedrático...

"Procuramos as raízes", explicou-me um dia um literato meu conhecido. Porém, o mais certo, irmãos meus, é que devido à vossa incapacidade e falta de vontade de trabalhar como deve ser, apenas fazem barulho, entregando-se ao prazer, tão apreciado pelos burgueses esclarecidos, do "sensacional" e do "picante". Se procurassem de facto alguma coisa, então colocariam a questão de forma completamente diferente: porque é que aquilo que foi durante o período de Stáline uma única excepção, se tornou hoje na regra, se transformou num sistema generalizado, sem a destruição do qual a ciência soviética simplesmente não poderá alcançar os níveis mundiais mais avançados?

Dir-me-á que isso aconteceu porque foram reprimidos os mais talentosos e os mais honestos. Mas por essa lógica também poderíamos com igual sucesso atribuir as culpas pelos problemas de hoje a Pedro, o Grande, ou a Ivan, o Terrível.

Passaram-se já 40 anos depois das repressões e mais do que uma geração de líderes partidários demarcaram-se dos "métodos viciados" do culto da personalidade, mas os nossos literatos continuam a matraquear na mesma tecla: Stáline, Stáline, Stáline... O facto é que nestas décadas, com o nosso sistema e o nosso povo talentoso, mais impoluto que os japoneses ou os alemães ocidentais, era possível fazer prodígios! Todavia, encontramo-nos voltados não para o progresso mas para o retrocesso.

Permita, Ivan Alekssandrovitch, que passemos a outro assunto. Foi Comissário do Povo e ministro da Agricultura durante Stáline e Khruchov. Será possível comparar a forma como cada um via os sectores mais importantes da economia?

No Politbureau, Khruchov tinha fama de ser um especialista em agricultura. E em grande parte isto correspondia à realidade. Nikita Sergueievitch conhecia bastante bem os problemas do sector agrícola, em especial da agricultura, aproximando-se em conhecimentos e competência do nível de um bom agrónomo. Stáline neste aspecto era mais fraco, o que, aliás não escondia, procurando aconselhar-se nos momentos em que os problemas do sector eram discutidos.

No entanto, por muito que isto seja paradoxal, enquanto dirigiu o País, Khruchov cometeu incomparavelmente mais erros e desacertos na área da agricultura. Entusiasmado com uma ideia, normalmente com base sensata, Nikita Sergueievitch ardia, literalmente, em desejos de a ver aplicada o mais rapidamente possível à vida, precipitava-se, ia por atalhos, perdendo a noção da realidade. O resultado foi que muitas das suas iniciativas tiveram consequências funestas, catastróficas, coisa que nunca aconteceria com Stáline...

Penso que a raiz de tudo isto estava na sua relação com os especialistas, com os cientistas, agrónomos e outras pessoas com competência na área da agricultura.

Stáline, que colocava acima de tudo os interesses do trabalho, em regra, tomava as decisões, ouvindo a opinião dos especialistas com maior autoridade, incluindo pontos de vista contraditórios, dos quais tirava as suas próprias conclusões. Se os "dissidentes" tivessem argumentos fortes e convincentes, Stáline, normalmente, alterava a sua posição ou introduzia correcções substanciais, apesar de ter havido casos em que revelou uma obstinação injustificada. Khruchov, cujo comportamento com o tempo era cada vez mais determinado pelas suas ambições pessoais, tinha outro tipo de relacionamento com os especialistas, sobretudo com os que pensavam de forma diferente. Por isso começaram a ganhar relevo aqueles que obedientemente sabiam fazer coro, adivinhar e "fundamentar cientificamente" a opinião já formada do Primeiro, que este nunca alterava mesmo perante a evidência dos factos. Pela mão ligeira de Nikita Sergueievitch, não só na agricultura como noutros sectores da economia, começaram a multiplicar-se com uma rapidez inaudita os quadros dirigentes e científicos do género "engraxador", ofuscando os que estavam habituados a pensar pela sua própria cabeça e a defender os seus pontos de vista até ao fim.

Essa sua opinião contradiz a ideia generalizada de que Khruchov, apesar de todas as extravagâncias, era mais democrático, humano e tolerante com as opiniões dos outros do que Staline…

É uma ideia profundamente errada. A aparência é muitas vezes tomada pela essência, nisto reside todo o busílis da questão. O caso de Khruchov é ainda mais complexo, uma vez que durante o tempo em que permaneceu no posto n.º 1 ocorreram surpreendentes metamorfoses.

Conheci bem Nikita Sergueievitch antes e depois da guerra. Era um dirigente forte, dinâmico e com uma capacidade de trabalho verdadeiramente extraordinária. Tinha grande inteligência que combinava com a argúcia e sagacidade dos camponeses, poder de iniciativa, engenho, uma simplicidade e espírito democrático inatos, e uma habilidade de ganhar para o seu lado as mais diferentes pessoas. Todas estas qualidades permitiram-lhe merecidamente ocupar altos postos no Partido e entrar para o Politbureau. Nesses anos, Khruchov era efectivamente um democrata, ouvia opiniões de terceiros, tratava as pessoas com autêntico respeito. Aliás, era esse o ambiente geral criado por Stáline e os que o rodeavam, e Nikita Sergueievitch, inteligentemente, esforçou-se por lhes "seguir as pegadas".

Quando se tornou Primeiro, e tendo reforçado o seu poder com o afastamento do grupo "anti-partido", Khruchov começou a mudar a olhos vistos. O seu democratismo natural começou a ceder lugar a tiques autoritários, o respeito pela opinião dos outros transformou-se na perseguição aos que pensavam diferentemente, entre os quais foram imediatamente incluídos os que não manifestavam o entusiasmo devido a propósito das "inovadoras" ideias do "eminente marxista-leninista".

Sinceramente, não me apercebi logo destas alterações e mantive o hábito, herdado dos tempos stalinistas, de dizer no Politbureau e nas mais importantes reuniões aquilo que pensava e considerava ser o correcto, fosse ou não do agrado do "chefe". Khruchov inicialmente reagia calmamente. No entanto, aos poucos, na sua relação comigo começou a sentir-se uma certa frieza e depois uma hostilidade aberta. Essa hostilidade senti-a mais intensamente quando me pronunciei contra uma proposta, no mínimo pouco inteligente, de Nikita Sergueievitch, que pretendia transferir a Academia de Agronomia de Moscovo para uma localidade rural. A campanha "Mais próximo da produção", lançada nessa altura, tinha gerado incongruências graves que perturbavam a administração normal de muitos sectores da economia nacional.

"Escuta Ivan, não te armes em valente", disse-me um amigo íntimo, que trabalhava no aparelho de Khruchov. "Ele não é o democrata que parece ser à primeira vista. De qualquer maneira não conseguirás convencê-lo, mas arriscas-te seriamente a perder a pasta". Não tive em conta o conselho e em breve fui efectivamente afastado de cargos de direcção na economia e nomeado embaixador na Índia…

De resto, mesmo na actividade diplomática não perdi o hábito de me "armar em valente", isto é, por outras palavras, de dar os passos que me pareciam necessários, mesmo que pudessem desagradar à direcção. Foi dessa maneira, actuando por minha conta e risco, que organizei, provavelmente pela primeira vez na nossa histórica soviética, a compra de um grande terreno no estrangeiro, em Deli, contíguo ao território da embaixada da URSS. Hoje, o valor dos terrenos na capital indiana é dez vezes superior, o que representa para nós importantes recursos em divisas. Contudo, nesse tempo, este tipo de operações era mal visto, sob a mira ideológica de que a aquisição de propriedade fundiária era "alheia aos métodos socialistas" e mais própria da "renda burguesa" do que da comunista. A muito custo, recorrendo a ligações antigas no Plano Estatal e no Ministério das Finanças, consegui os recursos necessários. Nessa altura senti directamente o quanto tinha aumentado o burocratismo nos mais altos escalões, o alinhamento com as posições do Primeiro, a tendência para fugir à responsabilidade pessoal, garantindo cobertura por um número máximo de assinaturas e vistos. O "novo" estilo de administração estava instalado: o que é mau espalha-se muito mais depressa do que aquilo que é bom. A tendência para a cautela excessiva e para desviar responsabilidades para cima de outros sempre existiu no aparelho.

Voltando à sua pergunta, quero deixar claro que foi exactamente Khruchov que começou a pôr de lado pessoas capazes de defender firmemente os seus pontos de vista até ao fim. Muitos comissários stalinistas, habituados a dizer frontalmente a mais amarga das verdades, gradualmente foram saindo dos seus cargos. Aqueles que ficaram, salvo raras excepções, transformaram-se em cortesãos que tinham perfeita consciência das "empresas" ruinosas de Khruchov, mas respeitavam a relação de forças existente e quem, em última análise, a determinava... Khruchov teve razão quando, em Outubro de 1964, em resposta às acusações de "aventureirismo" e de "irrealismo", culpou os que com ele colaboravam de, com o seu assentimento e silêncio, terem contribuído para o resultado final. É verdade que se esqueceu de dizer que ele próprio incentivou esse estilo de comportamento, que acabou por se tornar predominante. Não podemos esquecer que foi exactamente Nikita Khruchov que afastou para sempre da "grande política" figuras do chamado "grupo anti-partido", com principal destaque para Molotov, que ousaram manifestar as suas opiniões sobre a actividade do Primeiro Secretário do CC, criticando duramente as suas insuficiências e erros.

Admito que Khruchev fosse mais autoritário do que hoje se pensa, mas é um pouco difícil de acreditar que Stáline valorizava mais do que ele as opiniões dos outros e a independência das pessoas...

E no entanto é essa a realidade. Leia as memórias de pessoas competentes, daqueles que conheciam bem Stáline, que trabalharam com ele lado a lado. G.K. Jukov, A.M. Vassilievski, K.K. Rokossovski, N.G. Kuznetsov, I.S. Issakov, S.M. Chtemenko e outros oficiais militares. Todos numa só voz reconhecem que Stáline valorizava as pessoas que pensavam de forma autónoma e que eram capazes de defender as suas opiniões. G.K. Jukov, que conhecia Stáline melhor do que ninguém, escreve claramente que com ele podia-se discutir e que a afirmação do contrário é simplesmente falsa. Ou passe os olhos pelo magnífico livro, "O objectivo da Vida", o melhor na minha opinião sobre o nosso tempo, do construtor de aviões A. Iakovlev. Nele encontra a avaliação isenta de um intelectual russo honesto, independente dos campos ideológicos, sobre o estilo e métodos de trabalho de Stáline, sobre as suas qualidades humanas.

A realidade é mesmo assim: normalmente as pessoas escolhem e aproximam-se das suas almas gémeas, na sua relação com o trabalho e com a vida. Sendo um homem com uma mente profundamente analítica, audaz, resoluto e determinado, Stáline estimulava essas mesmas qualidades nos seus subordinados, sentindo uma inquestionável simpatia por pessoas firmes e de pensamento independente, capazes de defenderem os seus pontos de vista perante seja quem for e, ao contrário, detestava os cobardes, os aduladores que gostam de se "colar" à opinião previamente conhecida do chefe. E se em relação aos jovens novos funcionários era revelada alguma condescendência, uma espécie de "desconto" pela sua timidez e falta de experiência, aos quadros experientes e mesmo aos que gozavam de grande prestígio não se desculpavam tais "fraquezas humanas". "É um especialista hábil", disse certo dia Stáline a propósito de um deles. "Mas não se lhe pode dar um trabalho de direcção. É demasiado adulador. Tamanha dedicação aos seus superiores pode causar mais danos que o mais feroz dos inimigos. E não responderá por nada já que, dirá, tudo foi acordado com a direcção".

Aconteceu-me, embora bastante raramente, contestar posições de Stáline. Discutir com ele não era nada fácil e não era apenas devido à pressão da sua colossal autoridade. Stáline habitualmente estudava os assuntos profundamente e sob os diversos ângulos, por outro lado, possuía uma intuição fina dos pontos fracos e das posições do oponente. Nós, dirigentes económicos, tínhamos a certeza de que não seríamos penalizados pelo facto de contestarmos o líder, quanto muito este manifestava algum desagrado que depressa esquecia. Mas se se viesse a demonstrar que tínhamos razão, então era certo que a nossa autoridade aumentaria aos olhos dele. Pelo contrário, se alguém escondesse a verdade, preferindo o silêncio por comodidade pessoal, isso acabaria por se saber e aí, o mais provável, era perder irremediavelmente a confiança de Stáline. Por tudo isto, habituamo-nos a dizer a verdade, fosse a quem fosse, sem cuidar do orgulho próprio dos superiores.

Infelizmente, não houve sempre o necessário rigor e coerência. Numa série de casos, Stáline, talvez devido à grave carência de quadros, talvez devido a considerações pessoais, permitiu a nomeação para altos cargos de pessoas com tendência para a adulação e habilidosamente capazes de se acomodarem à conjuntura criada. Em minha opinião, isso aconteceu com a promoção de A.I. Vechinski [51] , que chegou a ocupar durante um certo tempo o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros. Tinha raros dons oratórios, uma extraordinária educação e profundos conhecimentos, mas no fundo era um oportunista. Mas, repito, normalmente a preferência era dada a pessoas de princípios, que pensavam autonomamente. Não foi por acaso que, durante os anos da guerra, Stáline indicou publicamente como seus continuadores os nomes de G.K. Jukov e, mais tarde, de T.A. Voznessenski. Eram pessoas com vontade de ferro, carácteres firmes e frontais que, mais vezes do que quaisquer outros, refutaram as opiniões de Stáline no debate de assuntos militares e de Estado.

Leia a intervenção de Stáline no último Plenário do CC do Partido da sua vida, onde, invocando a idade e problemas de saúde, pediu oficialmente que fosse substituído pelos menos em alguns altos postos. Na mesma ocasião, Stáline lançou duras críticas a dois dos seus mais próximos companheiros, V.M. Molotov e A.I. Mikoian [52] , considerados por muitos como possíveis sucessores do líder. Apontou-lhes exactamente uma alegada falta de firmeza e de independência. Esta acusação, sobretudo no que respeita a V.M. Molotov, parece-me hoje injusta. Mas a atitude de Stáline é extremamente significativa. E não havia aqui qualquer espécie de "jogo escondido", de "esperteza bizantina", de que tantos gostam de especular os "kremlinólogos" e "sovietólogos" ocidentais, cujas obras tive oportunidade de conhecer suficientemente enquanto vivi no estrangeiro. O facto é que, pouco tempo depois, Stáline escolheu um sucessor do seu ponto de vista mais digno para ocupar um dos mais altos postos. Refiro-me a Panteleimon Kondratievitch Ponomarenko [53] , antigo primeiro secretário do CC do Partido Comunista da Ucrânia, que durante a guerra dirigiu o estado-maior do movimento de guerrilha no Quartel-General do Comando Supremo. Possuindo um carácter firme e independente, Panteleimon Kondratievitch era ao mesmo tempo, até à medula dos ossos, um democrata que gostava de trabalhar em colectivo, tinha empatia e sabia organizar o trabalho de um largo conjunto de pessoas num ambiente fraterno.

Provavelmente, Stáline valorizou ainda a circunstância de Ponomarenko não integrar o seu círculo mais próximo, possuir posições próprias e nunca ter fugido às responsabilidades.

A nomeação de P.K. Ponomarenko para o cargo de Presidente do Conselho de Ministros da URSS chegou a ser assinado por vários membros do Politbureau e só a morte de Stáline impediu que a sua vontade fosse cumprida. Quando ascendeu a Primeiro Secretário do CC, Khruchov, que estava naturalmente dentro do assunto, tomou as medidas necessárias para afastar o mais possível Ponomarenko. Inicialmente foi enviado para o Cazaquistão, depois, em 1955, entrou no trabalho diplomático como embaixador na Polónia e mais tarde na Holanda. Mas até aqui a sua carreira foi curta: em breve o perigoso "concorrente" passaria à reforma, aliás em condições bastante humildes, já que não lhe foram atribuídas as regalias inerentes aos serviços prestados ao Estado. Este homem simples, modesto e despretensioso na vida pessoal, preocupado em cuidar dos familiares e entes próximos, viveu praticamente na miséria até que, finalmente, após a destituição de Khruchov, amigos seus intercederam junto do CC, garantindo-lhe recursos suficientes para uma velhice digna.

Contei-lhe este episódio propositadamente para antecipar as suas eventuais perguntas sobre a "humanidade" e o "amor ao próximo" de Khruchov em contraste com a "crueldade" e "despotismo" de Stáline. É verdade que Stáline podia ser brusco, por vezes injustificadamente, chegando a ser cruel. Mas com ele, as pessoas responsáveis por determinadas falhas e que, por essa razão, eram despromovidas de funções, podiam novamente voltar a subir, como aconteceu com G.K. Jukov, S.K. Timochenko, L.Z. Mechlis e alguns comissários do povo. Com Khruchov, todos os que perdiam a confiança do Primeiro afundavam-se e nunca mais lhes era dada a mão. O mesmo se tem passado com os seus sucessores… Porquê? A diferença é que Stáline nunca quis quebrar as pessoas e dava-lhes sempre uma oportunidade para corrigir erros, compreendendo que não era fácil encontrar dirigentes capazes. Khruchov, por seu lado, que pensava apenas em reforçar o seu poder, receava que as pessoas que ele ultrajara, se voltassem a altos cargos, pudessem representar um potencial perigo para esse poder…

E em relação ao desmascaramento do culto da personalidade? Para muitos, Khruchov revelou nesse momento coragem política e humanismo, pelo menos em relação às vítimas inocentes.

Não vejo especial coragem, muito menos política, no facto de alguém combater os mortos, fazendo deles bodes expiatórios dos erros do passado e, claro está, das insuficiências do presente. Tal "coragem" é normalmente revelada pelos que bebem as palavras do "chefe" enquanto "vivo" e têm perante ele um comportamento "certinho". Depois, quando já não há perigo, desforram-se da sua cobardia e temor, amaldiçoando "corajosamente" o "tirano" e o "déspota".

Entre os altos dirigentes, Khruchov era o que mais bajulava Stáline, demonstrando um medo doentio, que por vezes atingia o anedótico, o que, naturalmente, não elevava a sua autoridade aos olhos do Primeiro, o qual, mesmo sem isso, antipatiza com "Nikita", como lhe chamava irritado. Julgo que Khruchov sabia disto, mas nada podia fazer: há coisas que ultrapassam o alcance da nossa vontade. Nas reuniões do Politbureau e nas conferências de responsáveis em que participei, Nikita Sergueievitch, ao contrário, por exemplo, de Molotov ou de Jdanov que, por vezes, se opunham a Stáline de forma bastante ríspida, nunca tinha nada a dizer contra, não se atrevia a abrir a boca.

Em relação à "humanidade", devo dizer que nada teve a ver com as verdadeiras razões do desmascaramento do culto da personalidade muito embora, num brinde mais emocionado, Khruchov pudesse deixar escapar uma lágrima verdadeira a propósito de um relato dilacerante sobre os sofrimentos nos campos stalinistas. Apesar da sua insensibilidade relativamente às pessoas, era um homem emocional, nalgumas coisas até sentimental. A versão sobre a "humanidade" das suas intenções servia na perfeição a Nikita Sergueievitch e ele fez tudo o que podia para que o maior número possível de crédulos engolisse este anzol ou, com mais exactidão, fingissem que acreditavam. E, quer no nosso país quer no estrangeiro, houve mais do que os suficientes.

Pode ser que não saiba, mas eu ainda não me esqueci de que, nos anos 30 e 40, Khruchov mantinha uma sólida amizade com L.M. Kaganovitch, o "comissário de ferro", que tinha no Politbureau as posições mais severas e intransigentes em relação aos "inimigos do povo". Em estreito contacto com Kaganovitch, Khruchov, primeiro em Moscovo nos anos anteriores à guerra e mais tarde no pós-guerra, na Ucrânia, depurou com firmeza, até mesmo demasiada, as organizações do Partido dos "degenerados" e "elementos sabotadores". No decorrer das depurações sofreram muitas pessoas honestas, o que provocou o descontentamento de Stáline e levou à perda da sua confiança em Kaganovitch. Khruchov conseguiu reabilitar-se graças aos êxitos indiscutíveis na reconstrução da agricultura e indústria destruídas pela guerra.

Recordo-me de nesse tempo ter telefonado a Nikita Sergueievitch, que era então primeiro secretário do Partido Comunista da República, em Kiev, pedindo-lhe que investigasse o caso de um grupo de quadros responsáveis da agricultura, alguns dos quais conhecia bem, que tinham sido expulsos do Partido sem fundamento, conforme era minha convicção. Após ter-me escutado atentamente, Khruchov prometeu-me falar com Kaganovitch, que tinha sido enviado pelo Politbureau para a Ucrânia para o ajudar a organizar o trabalho. Mas deu-me a entender que a questão seria resolvida a contento, pedindo-me para "não fazer barulho no Centro, que isso poderia complicar a situação". Não sei se falou ou não com Kaganovitch, o certo é que não ajudou as pessoas.

Há uma coisa por demais estranha que me chamou a atenção. Quando se fala de Stáline, todas as suas acções são normalmente explicadas pela luta pelo poder, mas quando toca a Khruchov, aquilo que fez foi motivado exclusivamente por razões nobres: "humanismo", "democraticidade", "compaixão" e por aí adiante. Não sei o que há aqui mais, se ingenuidade se uma ilusão consciente. Khruchov, tal como Stáline, era um político, cujas acções eram determinadas por interesses políticos inteiramente prosaicos e totalmente afastados das elevadas categorias ético-morais...

Gostava de saber a que se refere concretamente e, já agora, como explica o facto indiscutível de que o desmascaramento do culto da personalidade e das repressões maciças dos anos 30 e 40 tenha tido tão ampla repercussão positiva?

A principal motivação de Khruchov era a luta pelo poder, por uma posição de monopólio nos aparelhos do Partido e do Estado, o que acabou por conseguir, acumulando os dois postos mais importantes: o de Primeiro Secretário do CC do PCUS e o de Presidente do Conselho de Ministros da URSS.

No início, porém, a situação de Nikita Sergueievitch era complicada. Apesar de estar bem colocado no Partido, a maioria dos membros do Politbureau não eram seus apoiantes, antes pelo contrário. Molotov, Malenkov, Kaganovitch, Vorochilov e outros destacados dirigentes do Partido e do Estado pertencentes ao anterior círculo de Stáline não tinham uma opinião favorável sobre Khruchov e encaravam-no como uma figura de compromisso, um califa por uma hora, posição que este, como é evidente, conhecia bem. Nos aparelhos locais do Partido e do Estado havia também muitas pessoas que tinham passado pela escola de Stáline e faziam uma avaliação muito céptica do projecto "inovador" de Khruchov. Ele precisava portanto de quebrar esta "oposição", apresentar os seus adversários sob uma perspectiva negativa, operar uma transformação maciça na consciência social, num espírito anti-stalinista. Refiro-me à preparação do terreno propício aos projectos pequeno-burgueses e aventureiristas que contrariavam o rigoroso realismo da atitude marxista-leninista. A campanha de denegrimento de Stáline e a reabilitação das vítimas das "repressões" servia na perfeição estes objectivos, tanto mais que parte dos reabilitados receberam cargos no aparelho do Estado e do Partido, tornando-se, naturalmente, no sustentáculo de Khruchov.

A "ampla repercussão social" também se explica pelos interesses inteiramente prosaicos de determinadas camadas e grupos sociais, como agora é moda dizer. Os sonoros aplausos do estrangeiro são compreensíveis: a campanha de descrédito de Stáline, que no Ocidente foi habilidosamente transformada numa campanha contra o Poder Soviético, enfraqueceu e dividiu o movimento comunista e operário internacional, reforçou as tendências revisionistas oportunistas, lançou a confusão na mente e sentimentos das camadas progressistas, em resumo, beneficiou os inimigos do socialismo, os quais aplaudiram esta campanha no fundamental.

Mesmo no nosso país, as invectivas contra o culto foram saudadas por todo o tipo de ociosos, espertalhões, vigaristas que parasitavam à custa de outros, aqueles que não gostavam do trabalho honesto, da disciplina de ferro e da ordem. Ai de quem lhes toque que começam logo a gritar contra o "despotismo", "a restrição das liberdades", "os resquícios das repressões stalinistas"! As críticas a Stáline impressionaram particularmente uma parte dos funcionários do aparelho partidário-estatal, divorciados das massas e com especial tendência para a burocratização, cansados do ritmo tenso e da rigorosa disciplina de trabalho, que viram no "novo estilo" de Khruchov uma esperança de vida calma e distendida. E, como é óbvio, o "degelo" de Khruchov agradou a largos círculos dos meios artísticos, gente que, dada a sua especificidade social, sente inclinação para o individualismo, para o desregramento anárquico e sente-se incomodada pelo papel dirigente do Partido, disfarçando a sua verdadeira posição com uma fraseologia "progressista" sobre a "liberdade", "humanismo" e "democracia".

Muitos intelectuais não conseguem perdoar ao socialismo o facto de que no capitalismo poderiam ter uma vida mais confortável. É como se não percebessem que um país atrasado nos planos económico e cultural, que foi submetido a provações inauditas na história, tinha de dar prioridade às necessidades básicas do povo e simplesmente não estava em condições para desenvolver sofisticados bens de consumo e serviços modernos. Não acreditam na grandeza e envergadura dos nossos objectivos. Uma casa de campo e um automóvel é muito mais importante para esta gente do que os altos ideais do socialismo, em nome dos quais se bateram várias gerações de combatentes pela felicidade do povo. Incapazes de trabalhar de mangas arregaçadas, de lutar pelas suas ideias, ficam desnorteados e baixam os braços ao menor sinal de injustiça e indecência, começando a elogiar a liberdade "absoluta", acima das classes, e a proclamar a necessidade de um sistema mais "humano" e "democrático", no qual facilmente se adivinham os contornos do capitalismo "liberalizador". Nada preocupados com o que tal capitalismo implica para as pessoas simples, para a massa fundamental dos trabalhadores, estão prontos a submeter-se ao jugo do capital desde que lhes paguem mais. São exactamente estas pessoas que, de forma tão empenhada, se mostram intimidadas e intimidam os outros com os horrores do chamado "stalinismo", o qual, claro está, subentende os fundamentos angulares do sistema socialista e sobretudo o papel dirigente do Partido Comunista…

A burguesia culta foi sempre o sustentáculo dos políticos sem princípios. Tanto no passado como no presente, tanto no Ocidente como, por muito triste que seja, na sociedade socialista.

Falando com franqueza, a sua exposição parece-me demasiado esquemática, apesar de ter alguma coerência e lógica. Nas várias camadas da população, deparei-me várias vezes com pessoas honestas, leais ao socialismo, que consideram Stáline como um criminoso… E agora, se bem o compreendo, diz-me que Khruchov era apoiado pela parte mais burocratizante do aparelho partidário-estatal. Mas não foi Stáline que colocou o aparelho acima das massas e deu aos burocratas um poder inaudito?

Qualquer tentativa de explicar causas profundas peca inevitavelmente por esquematismo, e a que faço não é naturalmente excepção. Em todo o caso, tento explicar e não me desvio do assunto, refugiando-me em enleados sentimentais-banais sobre a "coragem" e a "bondade" de Khruchov.

É verdade que muitas pessoas honestas e pensantes foram induzidas em erro e ficaram desorientadas com materiais seleccionados de forma tendenciosa e por vezes falsificados. Isto é agravado pelo facto de não termos o hábito de pôr em causa a versão oficial, para além de que a nossa capacidade de reflectir e discutir está a um nível muito baixo. Mas estes são fenómenos temporários. A verdade histórica, cedo ou tarde, virá à tona, por muito que a tentem afundar os políticos com os seus fins cúpidos ou certas individualidades dos círculos intelectuais.

É mais fácil induzir em erro um professor ou um literato do que um simples operário, que avalia a política pelo critério mais fiel: pelo que ela proporciona ao quotidiano concreto da vida do cidadão comum. Apesar das condenações oficiais e desmascaramentos, Stáline continua a ter numerosos partidários em diferentes meios, especialmente entre os operários simples, kholkozianos, militares, gente das gerações mais antigas, que conheceram a situação daquele tempo por experiência pessoal e não através de artigos de jornal. Nem Khruchov nem os actuais dirigentes deixarão uma memória tão profunda e grata no povo, e nem podiam deixar, apesar de, por todo o lado, ostentarem o seu sentimento "popular".

Em relação aos burocratas e aos privilégios que Stáline lhes terá dado, devo dizer-lhe que está completamente errado. Na prática, Stáline só conhecia o trabalho. Trabalhava com total dedicação 14, 15, 16 horas por dia, sem qualquer trégua ou condescendência para consigo próprio. Submetendo-se ao seu ritmo, os membros do Politbureau, os comissários do povo, os quadros responsáveis dos órgãos centrais e mesmo locais trabalhavam com semelhante intensidade.

Trabalhar 14 a 16 horas por dia não era para nós uma excepção, pelo contrário, era a regra. Quanto muito, íamos de férias uma vez em cada quatro ou cinco anos, mas nem todos se podiam orgulhar disso. Folgas praticamente não existiam.

Uma disciplina de ferro, um controlo permanente, trabalhar até ao limite das forças e, o principal, a exigência de resultados concretos, a melhoria real das coisas, a sua ausência equivalia à destituição do cargo, sem olhar aos serviços prestados no passado – tudo isto conduziu a uma tal produtividade e eficiência no trabalho de direcção sobre a qual hoje apenas se poderá sonhar. Não me recordo, como exemplo, de nenhuma resolução ou directiva do CC, do Politbureau ou do Conselho de Ministros que não tivesse sido cumprida. Hoje, segundo se diz, é exactamente ao contrário. Entre as crescentes torrentes delas, não se encontra uma que tenha sido concretizada, pelo menos em parte... Aliás, nos nossos dias, não se tomava a sério os que evocavam dificuldades e "circunstâncias objectivas". "Foram colocados nos vossos cargos exactamente para as superar", dizia habitualmente Stáline nessas situações.

Encontrei e li o livro de Lion Feuchtwanger sobre a sua visita, em 1937, à União Soviética, do qual me falou. Nele escreve nomeadamente que as pessoas que ocupavam cargos com alguma responsabilidade, "quase que não têm tempo para comer, quase que não dormem e acham normal chamar por telefone alguém que está no teatro a meio de uma representação ou telefonar-lhe às três ou quatro da manhã para lhe perguntar algo de urgente. Nunca encontrei trabalhadores incansáveis em tal quantidade como em Moscovo... Se em Nova Iorque ou em Chicago não encontrei os propalados ritmos americanos de trabalho, vim encontrá-los aqui em Moscovo" [54] . Uma descrição fidedigna, era mesmo assim!

Aliás, na altura, nós, comissários do povo, nem sequer pensávamos em limusines do Estado, casas de campo, restaurantes e outros privilégios semelhantes. Não tínhamos tempo para isso, tanto mais que o mínimo abuso neste plano era punido implacavelmente: o Goscontrol e os partorg [55] do CC trabalhavam eficazmente e as críticas vindas da "base", da parte dos trabalhadores, eram tidas em conta, muito mais do que hoje.

O povo sabia que as regalias dadas aos dirigentes significavam o prolongamento do dia de trabalho em mais oito horas, por isso ninguém criticava ou se indignava como agora, em que, de facto, são dados muitos privilégios a um ministro sem que se vejam os resultados do seu trabalho durante anos. Resultados positivos, é claro...

Por outras palavras, Stáline, cujo estilo de vida se distinguia por um ascetismo e puritanismo bolcheviques, dirigia o aparelho com mão de ferro, considerando, com algum fundamento, como o tempo veio a demonstrar, que a multiplicidade das tentações na vida poderia diminuir a produtividade do trabalho dos dirigentes, minar a confiança das pessoas comuns neles, ou seja no Partido, aspecto do qual depende muita coisa no nosso país. No entanto, por vezes, Stáline fechava os olhos às pequenas fraquezas dos comissários do povo, em especial dos jovens, desde que, claro, não se reflectissem no trabalho...

Como é óbvio, estes ritmos de trabalho e tal regime draconiano não agradavam a todos. As pessoas são pessoas, apetece-nos relaxar, dedicar pelo menos algum tempo à família, aos interesses pessoais, e alguns gostariam de saborear as honrarias e privilégios das altas posições...

Quer dizer que Khruchov jogou com isso?

Sim. Este factor "humano" contribuiu em muito para alargar e reforçar o apoio a Khruchov entre os dirigentes do Centro e em particular ao nível local. Nikita Sergueievitch defendia uma disciplina e um regime de trabalho mais "macios", fazia-se passar por uma pessoa "compreensiva" e capaz de "perceber a situação", embora no fundo fosse bastante exigente. Mas não foi por acaso que um dos primeiros sinais do "novo estilo" tenha sido a proibição de ficar no trabalho depois da oito da noite. Com Stáline, muitos comissários do povo trabalham noites inteiras, o que, como é evidente, extenuava qualquer um.

Por outro lado, Molotov e Malenkov, considerados como partidários entusiastas do estilo "duro" stalinista, condenaram firmemente os mais pequenos desvios da disciplina partidária, o que, depreende-se, não lhes aumentou a popularidade dentro do aparelho...

Não escondo que na altura estava longe de ser um "stalinista", Khruchov impressionava-me mais. Pensava que com ele teria mais liberdade de acção e seria capaz de levar a cabo o programa que concebera. Mas as minhas expectativas goraram-se. Com Khruchov, a iniciativa dos ministros estreitou-se, diminuindo também em todos os níveis a exigência e a responsabilidade. Começou-se a pensar menos no trabalho e mais nos diferentes bens da vida. Penso que foi nessa altura que se abriu a fenda que, mais tarde, com os sucessores de Khruchov, viria a provocar o afastamento do aparelho das massas e, como reacção contrária, a manifestação de hostilidade das amplas massas dos trabalhadores e do povo em relação ao aparelho, coisa que nos anos 30, 40 e mesmo 50, não existia.

Mas o mais importante talvez nem seja isso. Reflecti muito sobre as razões do fracasso do "grande salto em frente" de Khruchov, porque é que estamos a marcar passo no mesmo sítio desde meados dos anos 70 (a reforma dá-nos tempo e a possibilidade de estudar um pouco) e cheguei a algumas conclusões. Desde os meados dos anos 50, altura em que começou a diminuir a exigência em relação aos quadros, que a vida impunha que essa exigência fosse pelo contrário aumentada, sob pena de ser impossível resolver as novas tarefas, mais complexas e de maior envergadura. Khruchov, que tinha passado pela escola stalinista, ainda tentou de alguma forma parar esse processo. Infelizmente, os seus sucessores deixaram-se ir na corrente reincidente das "forças e tradições da velha sociedade", como disse Lénine. Muitos postos do Partido e do Estado foram entregues a pessoas incompetentes e indignas dos seus altos cargos, que se revelaram incapazes de garantir uma direcção eficaz das tarefas. A promoção dos quadros deixou ter correspondência com os serviços reais prestados. Alguns tornaram-se ministros, secretários do CC e mesmo membros do Politbureau, não por terem resolvido o problema do abastecimento de produtos alimentares na sua região ou por terem colocado as empresas que dirigiram ao nível internacional, mas na sequência de uma correlação de circunstâncias que lhes foi favorável.

É natural que, não sendo capazes de trabalhar verdadeiramente, estas pessoas ocupem o tempo com papelada e reorganizações. As directivas sucedem-se umas atrás das outras e perde-se a conta aos discursos com apelos a "trabalhar de forma inovadora".

Voltemos a questões mais concretas. Não poderia falar com mais detalhe sobre as diferenças das posições de Stáline e Khruchov em relação à agricultura?

Essas diferenças ganharam contornos precisos já depois da morte de Stáline, quando Nikita Sergueievitch decidiu pasmar o mundo com os seus métodos "inovadores". É claro que já antes de 1953, Khruchov alimentava as suas ideias predilectas, os seus projectos para resolver este ou aquele problema. Todavia, ao contrário dos outros membros do Politbureau, não era capaz, ou melhor, não queria defender os seus pontos de vista, tanto mais que as tímidas tentativas que fez neste sentido foram severamente criticadas por Stáline, que não tolerava "projectos manilovistas" [56] , como costumava dizer irritado. Aparentemente, foi o medo hipertrofiado que Nikita Sergueievitch tinha de Stáline que lhe valeu a fama de ser um executante resignado, obediente e limitado, despojado de qualquer ambição política ou desejo de protagonismo... No futuro, na sua na luta pelo poder, Khruchov viria a utilizar habilmente esta falsa imagem que, no entanto, era partilhada por muitos.

Mas voltando às diferenças. Antes de mais, elas tiveram a ver com as explorações agrícolas privadas dos kolkhozianos e dos trabalhadores dos sovkhozes, bem como com a actividade industrial artesanal e cooperativa. Mesmo após a conclusão da colectivização do campo, o sector individual continuava a desempenhar um papel importante. Nos anos pré-guerra, as explorações individuais eram responsáveis por entre 60 a 90 por cento dos legumes, carne, leite, ovos e outros produtos agrícolas, à excepção, claro está, do trigo e das culturas técnicas. Produziam igualmente a maior parte da fruta e frutos secos. De resto, a maior parte dos rendimentos dos kolkhozianos, quer antes quer nos primeiros anos do pós-guerra, provinha não das explorações colectivas mas exactamente da produção individual. Stáline considerava que esta era uma situação objectiva e inevitável por um longo período e opunha-se implacavelmente às tentativas de forçar o prosseguimento da "colectivização" e socialização, posição que testemunhei várias vezes.

Inversamente, Khruchov julgava as explorações individuais, bem como a actividade de todo o tipo de cooperativas nos meios rurais, como "resquícios obsoletos do passado, os quais, supostamente, "desviavam" os camponeses do trabalho colectivo e impediam que o enorme potencial das "vantagens do socialismo" se revelasse no campo.

Outro ponto substancial de divergência refere-se à política salarial. Com Stáline, os salários eram amplamente utilizados como incentivo à alta produtividade do trabalho e ao trabalho qualificado, como importante alavanca do aceleramento do progresso científico-técnico. Na agricultura, por exemplo, o salário dos agrónomos, mecanizadores, condutores de máquinas e outras profissões determinantes para a modernização da produção, era significativamente superior, nalguns casos em várias vezes, ao dos kolkhozianos e operários dos sovkhozes. O sistema de incentivos à alta produtividade do trabalho funcionava igualmente de forma satisfatória. Os operários de vanguarda ganhavam muito mais do que os operários "medianos" e algumas categorias de stakhanovistas não tinham sequer um tecto salarial.

Um quadro semelhante observava-se na indústria, onde os engenheiros e, em especial, os construtores de novas máquinas recebiam muito mais do que os operários e os empregados dos ramos não produtivos. Lembro-me de que, no início dos anos 50, um professor universitário podia ganhar até mil rublos por mês, enquanto uma empregada de limpeza tinha um salário de 30 rublos, o que era visto como dentro da ordem das coisas.

As regalias materiais combinadas com estímulos ideológico-morais permitiram atrair os mais capazes e dotados para as fileiras de agrónomos, mecanizadores, engenheiros, construtores e outras profissões com um papel crucial no progresso científico-técnico. E entre a população, em especial a juventude, desenvolvia-se a aspiração ao conhecimento e ao domínio da técnica moderna.

Para Khruchov, que sempre ultrapassou todos os limites no que toca a sentimentos populistas, tal política era "socialmente injusta" e "não-socialista". Sob sua pressão, começaram a ser revistas as tabelas de vencimentos no sentido de eliminar "diferenças injustificadas" na retribuição do trabalho. Infelizmente, este processo prosseguiu depois de 1964. Os resultados da violação voluntarista das mais importantes leis objectivas do socialismo são conhecidos: o nivelamento salarial foi estabelecido em praticamente todos os ramos que determinam o progresso científico-técnico, encurralando-se (não encontro outra palavra) o corpo dos engenheiros-construtores, cujo vencimento é quase mais baixo do que o de uma empregada de limpeza. E quando se vira de pernas para o ar o sistema de estímulos materiais, também na economia, como é natural, se desencadeia todo o tipo de incongruências, as quais, de forma alguma, favorecem o seu normal crescimento.

Todavia, esta minha opinião é de hoje. Na altura, em meados dos anos 50, via isto tudo de modo diferente e, falando com franqueza, até fiquei impressionado com o desejo de Khruchov de eliminar as injustiças na retribuição do trabalho das diferentes categorias de trabalhadores.

No fundo, Nikita Sergueievitch era um extraordinário mestre do efeito de curto prazo, com reflexos fulgurantes, os quais, justiça lhe seja feita, cegaram temporariamente não só os seus seguidores, mas até os opositores. Porém, este efeito foi obtido à custa da secundarização dos interesses estratégicos de longo prazo, o que veio a traduzir-se em perdas colossais. Mas as pessoas vivem o dia de hoje, e Nikita Sergueievitch soube explorar habilmente esta fraqueza...

Na literatura de memórias existem referências à discordância de Stáline com o absurdo projecto de Khruchov das agro-cidades...

Não classificaria esse projecto como absurdo. Assentava na ideia perfeitamente racional de promover a integração da produção agrícola e industrial, diminuir as diferenças entre a cidade e o campo nas esferas social, de serviços e cultural. Devo dizer que quando Khruchov apresentou estas ideias a minha reacção foi positiva. No entanto, depois, influenciado pelas críticas sérias e bem fundamentadas da parte de grandes especialistas e cientistas-agrónomos, passei a referir-me à teoria das "agro-cidades" com maior contenção. Foi-me demonstrado de forma bastante convincente que o nível de desenvolvimento alcançado no campo não permitiria, durante um período de tempo ainda longo, caminhar para a integração da produção agrícola e industrial, pelo menos à escala de todo o país, como propunha Khruchov. Outra flagrante fuga em frente, e mais um exemplo de desprezo pela especificidade do campo, foi a tese sobre a necessidade de centralizar e concentrar a população rural e liquidar as aldeias "sem futuro". Ulteriormente, as tentativas de forçar o processo de industrialização do campo, causaram, como é conhecido, grandes danos à agricultura.

Nessa altura, Khruchov, num artigo publicado no Pravda, apresentou com bastante desenvoltura a concepção das "agro-cidades". Stáline, que habitualmente incentivava os dirigentes partidários a estudos teóricos, à formulação de problemáticas, reagiu muito negativamente ao artigo, diria mesmo com hostilidade. Em breve o Pravda publicaria outro texto em que a teoria das "agro-cidades" era submetida a uma crítica demolidora. Num círculo restrito, Stáline qualificou as buscas khruchovianas ainda com mais severidade, considerando-as como "o mais puro fantasismo", "uma fuga em frente esquerdista", "um delírio pequeno-burguês". Recordo-me bem destas palavras porquanto Stáline repetiu-as à minha frente várias vezes, temendo, aparentemente, que eu fosse influenciado pela "teoria" khruchoviana.

Stáline, embora valorizasse as qualidades organizadoras de Khruchov, considerando-o um executivo brilhante, tinha uma fraca opinião sobre as suas capacidades políticas e teórico-ideológicas. Para além disso, nas suas relações com Khruchov, transparecia um manifesto desdém, coisa que Stáline nunca se permitia nas suas relações com os dirigentes partidários e do Estado, com excepção, talvez, de Béria. A minha impressão pessoal é que, ao relacionar-se de forma diferente com esta "dupla", Stáline pretendia demarcar-se do seu "não-bolchevismo", como se se desculpasse pelo facto de, nos assuntos de Estado, ser forçado a recorrer a pessoas aptas, mas com formação ideológica duvidosa, uma espécie de "aliados políticos" conjunturais.

Khruchov reagiu com bastante calma exterior e lisura ao sabão que Stáline lhe passara. Mas é claro que tudo não passava de uma aparência enganadora: Nikita Khruchov era uma pessoa com amor-próprio e ambição extremos, apesar de ter conseguido ocultar isso durante algum tempo.

Uma vez, no final de uma reunião em que Stáline, sem olhar a delicadezas, admoestou duramente Khruchov por uma asneira qualquer, descemos os dois para os carros que nos esperavam na rua.

"- Ele sabe muito", disse de súbito e com azedume Khruchov. "Mandar é fácil, devia experimentar fazer algo de concreto..."

"De quem se trata?", perguntei mecanicamente, ocupado que estava com os meus pensamentos (na reunião também eu tinha sido criticado e começara já a pensar na maneira de realizar as sugestões de Staline).

"Sou eu a falar com os meus botões", disse Nikita Sergueievitch. "Levámos uma boa ensaboadela, temos de tirar as nossas conclusões". Recuperara o controlo de si e tentava agora sorrir amigavelmente.

Só me dei conta no carro de que Khruchov se referia a Stáline. Como se costuma dizer, guarda-te do homem que não fala e do cão que não ladra...

Afastei-me da questão que me colocou. A história das "agro-cidades" põe mais uma vez em evidência as diferenças entre Stáline e Khruchov em relação aos problemas da agricultura.

Stáline era realista até à medula dos ossos, por isso dava muito mais importância à especificidade do sector, agia de forma reflectida, fundamentada, sem precipitações, prevendo eventuais consequências a longo prazo desta ou daquela decisão. Khruchov era o contrário, ansiava por resultados rápidos e fulgurantes, tinha pressa e precipitava-se, passando por cima do nível real de desenvolvimento atingido e caindo num utopismo imperdoável e criminoso.

Infere-se das suas palavras que a principal responsabilidade pela actual situação, bastante deplorável, da agricultura recai sobre Khruchov e naqueles que se afastaram da linha stalinista. Mas será que esta linha foi em si própria irrepreensível? Não houve os desvios e excessos da colectivização, a horrível fome de 1933, o "transvase" de meios do campo para a cidade e, finalmente, a submissão dos kolkhozianos a uma servidão semifeudal, sendo-lhes negado até o direito a possuir passaporte? E mesmo assim, no período de Stáline, a nossa agricultura não conseguiu recuperar o seu atraso em relação ao Ocidente. Os documentos oficiais e investigações de reputados historiadores, atribuem a Stáline e aos que o rodeavam grandes responsabilidades. Ou não concorda com isto?

A julgar pela pergunta, você não conseguiu compreender correctamente a relação entre os factores objectivos e subjectivos e enfiou tudo no mesmo saco. Tentarei, tanto quanto puder, esclarecer os factos com verdade.

É um erro de raiz atribuir a Khruchov ou a Stáline todas as culpas pelo atraso da agricultura. Apesar de tudo, o principal aqui são os factores objectivos, a especificidade histórica do desenvolvimento do país. Não podemos esquecer que, nos anos 20, os arados de madeira predominavam nos nossos campos, enquanto nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha e noutros estados europeus a mecanização da agricultura estava praticamente concluída. Foi de uma agricultura atrasada e medieval que tivemos de extrair meios e forças para a industrialização do País, para a criação de um exército moderno e para a reconstrução da economia destruída pela guerra. Simplesmente não havia outra solução. Um mar de explorações privadas atrasadas tiveram de ser reconvertidas de acordo com as orientações da colectivização socialista, com todos os exageros e aspectos negativos inevitáveis. E tudo isto decorreu sob a pressão inimiga do cerco capitalista, em ritmo forçado e em curtíssimos prazos históricos (não havia outros). Estou convencido de que se tivéssemos atrasado cinco ou seis anos a colectivização ou a industrialização, a economia não teria podido garantir os meios necessários à vitória sobre o fascismo e o campo não seria capaz de alimentar o exército e a população, já sem falar do previsível surgimento de uma "quinta coluna" na retaguarda formada pelos proprietários kulaks que odiavam o Poder Soviético. A verdadeira questão reside no facto de que a história não nos deu possibilidades "normais", tivemos que agir em circunstâncias "anormais", ou seja com ritmos forçados.

Claro que o Partido, o Governo e Stáline, pessoalmente, fizeram muito para o desenvolvimento da agricultura e para a melhoria da vida dos camponeses, afirmo-o na qualidade de quem dirigiu o sector durante quase duas dezenas de anos. O campo sofreu um poderoso impulso em frente na modernização da organização da produção e do trabalho e na criação de condições civilizadas sócioculturais. Contudo, esperar resultados milagrosos como a eliminação do atraso em relação ao Ocidente neste curto espaço de tempo, é simplesmente irrealista. Só no início dos anos 50, o Estado teve possibilidade de, pela primeira vez, destinar grandes recursos materiais e humanos para o desenvolvimento da agricultura. Até esta altura, a cidade viveu em grande parte à custa do campo, e não havia outra alternativa, a não ser talvez nas ilusões de gabinete dos "reputados historiadores".

Não discuto que a vida dos camponeses era nesse tempo difícil: trabalho intenso, impostos elevados e uma "dura" ligação ao local de residência. Aliás, o mesmo acontecia também na cidade. Não se esqueça de que, na Rússia czarista, o nível de vida da população estava atrasado 100 anos, ou mesmo mais, em relação aos países capitalistas desenvolvidos.

Mas também não devemos carregar nas tintas: em comparação com o período anterior à Revolução de Outubro, as condições de vida e de acesso à cultura da esmagadora maioria da população rural alteraram-se significativamente no bom sentido. As grandes massas, quer de kolkhozianos quer de operários dos sovkhozes, no fundamental, estavam satisfeitas com a sua vida e olhavam para o futuro com muito mais optimismo do que agora, apesar de as actuais condições de bem-estar materiais serem impensáveis na época. Digo isto porque tenho ouvido muita gritaria sobre a pobreza nos campos durante os anos 30 e 40. A darmos crédito a alguns literatos ou mesmo dirigentes do Partido, todo aquele período teria sido atravessado pelo terror, repressões e violência em relação aos camponeses. É um disparate. Nenhum sistema político pode apoiar-se por muito tempo na violência, sendo que os que habitavam o campo nos anos 30 constituíam a maioria da população! Se tudo assentasse, como alguns tentam fazer crer, no medo do NKVD, não teria sido possível destroçar a máquina de guerra fascista, a mais poderosa no mundo, nem teria havido o heroísmo em massa na frente e na retaguarda nem, em última análise, o nosso país teria alguma vez chegado a ser uma das duas superpotências mundiais.

Falou dos factores objectivos mas nada disse sobre os subjectivos...

Já lá vou. Espera certamente que compare os actos de Stáline e de Khruchov, ou mais precisamente os erros por eles cometidos que atrasaram o desenvolvimento da agricultura.

Em qualquer domínio os erros são inevitáveis e tanto Stáline como Khruchov cometeram bastantes. Mas há erros e erros. Stáline cometeu-os em questões de menor importância, secundárias, evitando-os nas matérias centrais, estratégicas. Khruchov era o contrário, entendia-se melhor quanto aos pormenores e detalhes, mas pensava mal, apressadamente, as decisões de Estado de grande envergadura, o que teve numa série de casos resultados simplesmente catastróficos. Há pouco falou da fome de 1933. A sua principal causa foi a seca, mas as consequências que teve no processo de colectivização do campo, que estava a ser concluído nessa altura, reflectiram-se num aumento dos excessos e complicações, inevitáveis em quaisquer grandes transformações sociais. Ambos estes factores tiveram um carácter objectivo e não era possível imputá-los à vontade, ainda que sobre-humana, de um líder. Por isso, o erro de Stáline, se é que existiu, residiu quanto muito no facto de ter confiado de mais no então Comissário do Povo para a Agricultura, Iakovlev [57] , que não só não tomou as medidas necessárias para fazer face à calamidade, mas também encobriu efectivamente as acções sabotadoras dos trotskistas e outros "esquerdistas", que se tinham entrincheirado em órgãos de poder centrais e locais. Nessa altura eu trabalhava no Centro de Moscovo dos Sovkhozes Hortícolas e recebi do comissariado ordens tão estranhas, para não lhes chamar outra coisa, que se as tivesse cumprido poderiam ter provocado a desorganização da produção. Aliás, Iakovlev foi fuzilado por sabotagem juntamente com os seus cúmplices. De qualquer modo, as acções do seu grupo, apesar de terem agudizado a situação, não tiveram uma importância decisiva nos acontecimentos, os quais, repito, resultaram no fundamental de factores objectivos.

Por sua vez Khruchov, ao assumir os comandos do Estado, cometeu erros estratégicos pelo seu carácter e consequências. Em meados dos anos 50, quando pela primeira vez havia a possibilidade de destinar grandes meios e forças para a agricultura, ele deu prioridade ao desbravamento de terras virgens, o que, como é óbvio, produziu resultados visíveis e rápidos, mas a longo prazo revelou-se ser uma decisão claramente errada. Não só porque o desbravamento das terras virgens foi feito à custa de regiões, às quais deveria ter sido dada uma atenção redobrada, caso da Ucrânia e das zonas de solo mais pobre da Rússia. Muito mais ruinosa se revelou a "viragem estratégica" da agricultura para os factores de crescimento extensivo, num momento em que estava na ordem do dia a transição para a intensificação da agricultura. Aliás, em todos os países, essa transição foi acompanhada de uma redução das áreas de sementeira. Por outras palavras, teria sido necessário caminhar em "profundidade" e nós, na ânsia de êxitos imediatos, apostámos no "alargamento", seguindo uma direcção notoriamente errada, perdendo assim, sem qualquer exagero, vários quinquénios agrícolas.

Consequências extremamente negativas tiveram igualmente os ataques frontais de Khruchov contra as explorações agrícolas e, em particular, a redução do número de cabeças de gado que podiam integrar a propriedade pessoal dos kolkhozianos e dos operários agrícolas dos sovkhozes. Isto apesar de a combinação flexível da propriedade social com a pessoal ter permitido, durante o período de Stáline, resolver muitos problemas. Pergunte às pessoas das gerações mais velhas, certamente que vos dirão que a variedade da oferta de produtos alimentares nas nossas lojas era duas vezes maior do que a que existe agora, no início dos anos 80. E, claro está, o alastramento a todos os sectores do nivelamento salarial e o gigantismo em que se converteu a eliminação das aldeias "sem futuro", desferiram novos e sensíveis golpes na agricultura.

Todavia, os líderes que substituíram Khruchov não só não corrigiram estes erros como, pelo contrário, os agravaram. Se Nikita Sergueievitch, como organizador forte e pessoa enérgica e empreendedora "sacudia" e predispunha de alguma forma os quadros dirigentes para o trabalho, os seus sucessores passaram a dar preferência aos sermões intermináveis.

Tudo isto, apesar dos enormes gastos, conduziu a agricultura a um "estado bastante lamentável", como justamente observou.

Não terá caído numa contradição? Afirmou que Stáline era um bom conhecedor de pessoas, sabia qual era o seu verdadeiro valor… Como se pôde então enganar quanto a Khruchov, Béria, Vechinski e outras pessoas que entraram no seu círculo mais próximo?

Não penso que tenha sido um engano. Stáline, tal como Lénine, sabia utilizar pessoas cujo perfil político considerava duvidoso, não bolchevique. Não são só os marxistas-leninistas, digamos a 100 por cento, que têm o monopólio do saber-fazer, das elevadas qualidades de trabalho… Tanto Vechinski como Mekhlis ou Béria tinham um passado de mencheviques, uma "nódoa negra" nas suas biografias. Mas as suas vantagens profissionais prevaleciam claramente, para além de que não podiam interferir na definição da estratégia política. O próprio Lénine permitiu que Trotski, Zinoviev, Kameniev e Bukharine ocupassem altos cargos, apesar de não os considerar como verdadeiros bolcheviques e autênticos teóricos marxistas.

Parece que só gostamos dos extremos. Se elogiamos alguém, colocamo-lo nas nuvens, se censuramos, então temos de reduzi-lo a pó… Ou é um diabo ou um anjo, o intermédio é como se não existisse, não obstante, na realidade e pelo contrário, existir e muito frequentemente.

Veja, por exemplo, o caso de Béria. Apresentam-no como um amontoado de vícios, imagináveis e inimagináveis. É verdade que tinha vícios e que era um indivíduo indecente e sem escrúpulos. Eu, como outros comissários, passei muito por causa dele. Mas, apesar de todos os seus indiscutíveis defeitos, Béria possuía uma vontade forte, qualidades de organizador, a capacidade de entender rapidamente a essência de um problema e de reagir instantaneamente a uma situação complicada, identificando os seus aspectos principais e secundários.

O facto é que foi sob a sua direcção que se criou, em prazos curtíssimos, a bomba atómica e que, nos anos da guerra, tão rapidamente se ergueram as indústrias de defesa.

O pequeno erro de Béria é que deixava transparecer uma intenção consciente e mesmo objectivos "políticos". Penso que Stáline utilizou Béria, tal como Mekhlis, como um " cassetete do terror", com a ajuda do qual se malhava no desleixo, na incúria e na leviandade das classes dirigentes e noutras chagas nossas, que Lénine justamente apelidou de "oblomovismo [58] russo". Refira-se que tal método, pouco atraente, funcionava eficazmente.

É claro que houve casos em que o cassetete de Béria atingia também as cabeças de pessoas honestas.

Fosse como fosse, Béria, depois de ter sido demitido por Stáline do cargo de ministro da Segurança de Estado em 1952, foi de novo puxado para cima após a morte deste. Tornou-se vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS e encabeçou o Ministério da Segurança Interna, o qual passou a integrar também o Ministério dos Assuntos Internos. Por outras palavras, conseguiu um poder com o qual nem sequer se atreveria a sonhar no tempo de Stáline. No que respeita a Khruchov, é indubitável que Stáline, melhor que ninguém, via o seu "não-bolchevismo", os limites dos seus horizontes intelectuais e culturais, as suas ambições carreiristas. Porém, deu preferência à utilização das suas excelentes qualidades de executivo em altos postos partidários. E fez bem: enquanto trabalhou sob uma direcção rigorosa, Khruchov fez muito de útil. Outra coisa é o facto de não se enquadrar em nenhum dos parâmetros do posto decisivo do nosso país, apesar do seu grande desejo de ser o Primeiro. Nisto reside toda a tragédia...

Pode-se concordar que Khruchov era inferior a Stáline em muitos aspectos. Mas pelo menos não enviou pessoas honestas para a prisão, nem fez correr sangue. O povo nunca perdoará....

Mas está convencido de que tem legitimidade para se armar em arauto do povo? O povo no nosso país é diferenciado. Para os professores universitários e literatos, obviamente, Stáline representa um "déspota" e um "ditador", para os trabalhadores de vanguarda, para muitas pessoas simples que viveram aquele tempo é um grande homem sábio, que lutou pela felicidade do povo e obrigou os responsáveis públicos a fazer o mesmo, esses que agora estão de barriga cheia, se deixaram burocratizar e divorciar das amplas massas. Serei ingénuo? Talvez... Mas quando contraponho estes dois extremos, recordo as profundas palavras de Karl Marx, de que um intelectual tem mais a aprender com um operário do que um operário com um intelectual...

Desculpe, mas qual é a relação com a pergunta que lhe fiz?

A mais directa. Fale com os trabalhadores simples e honestos do nosso povo. Dir-lhe-ão que "é hora de pôr ordem nas coisas, endurecer ao máximo a desleixada disciplina do Partido e do Estado, não hesitando perante as medidas mais drásticas". Costuma-se dizer que a voz do povo é a voz de Deus. Da minha experiência pessoal posso afirmar com segurança que, sem a permanente depuração do aparelho do partido e do Estado de todos os elementos indignos que nele se instalam, sem a repressão decidida, na sua raiz, das tendências e manifestações anti-socialistas nos altos escalões, não será possível assegurar um desenvolvimento rápido e seguro do País. Até porque esse "trabalho de saneamento" normaliza a situação no País, garante o influxo no Partido e na esfera da administração de jovens honestos, sensatos e talentosos, permite aproveitar o enorme potencial democrático do povo. É exactamente desde modo. Este potencial manifesta-se apenas num ambiente de ordem e disciplina férrea, de combate firme a todos os fenómenos anti-socialistas. De outra forma toda a participação se esvai no leito caudaloso da perniciosa loquacidade da demagogia, da dissolução anárquica e das lutas cúpidas por interesses pessoais e de grupo. Quanto trabalhei na Jugoslávia observei tudo isto até à exaustão... E esta disciplina e alta exigência para com todos, do mais ao menos importante, deve começar exactamente pelos dirigentes do mais alto escalão, caso contrário haverá consequências extremamente perigosas para o socialismo...

Stáline, como já referi, decifrou com mais rapidez e profundidade do que ninguém a essência pequeno-burguesa dos slogans e projectos de Khruchov. Todavia, não conseguiu tomar as medidas necessárias que resguardassem o país e o socialismo mundial da chegada ao poder de líderes "não bolcheviques" do tipo de Khruchov e semelhantes... Em consequência, tivemos de pagar um alto preço pelo seu esquerdismo e megalomania pequeno-burguesa.

Dou-lhe mais um exemplo. Refiro-me a Georgui Konstantinovitch Jukov, um talentosíssimo chefe militar, indiscutivelmente o melhor comandante da Segunda Guerra Mundial. A par de todas as suas qualidades pessoais invulgares, tinha igualmente defeitos evidentes, os quais são descritos com frontalidade e franqueza por Konstantin Konstantinovitch Rokossovski, no seu livro "O Dever do Soldado".

Se a arrogância, grosseria, impertinência e outros modos tarimbeiros podiam ser tolerados, já sua presunção, ambições e pretensões "napoleónicas" constituíam uma ameaça política. Quando Stáline, que foi sempre benevolente com Jukov, se apercebeu disto, de imediato tomou as medidas necessárias. Um tribunal militar de honra, constituído por célebres marechais e almirantes, julgou com severidade o comportamento de Jukov, que teve de ouvir muitas palavras duras, embora justas. Todavia, levando em conta os grandes serviços prestados e a honestidade pessoal de Jukov, o tribunal pronunciou-se pela não adopção de medidas rigorosas que Malenkov e Béria claramente esperavam, tal como Stáline, que os apoiava. No final, Stáline não só cedeu à vontade dos militares, limitando-se a baixar Jukov de posto, como, pouco antes da sua morte, voltou a promovê-lo para cargos decisivos. Tratou-se de um erro crasso. Em breve, Jukov viria a confirmar que os receios de Stáline tinham fundamento ao ingerir-se de forma inadmissível, mesmo para um chefe militar da sua dimensão, nos assuntos políticos do Partido. Como é sabido, em Junho de 1957, ameaçou quase que abertamente o chamado "grupo anti-partido", ou seja a maioria dos membros do Politbureau, com o uso da força militar. Ao dar o seu apoio a Khruchov, o qual Jukov pensava que mais tarde poderia facilmente controlar, o marechal esperava reforçar a sua situação. No entanto, como tantas vezes sucede, caiu no fosso que ele próprio tinha camuflado para outros caírem. Khruchov fazia muito menos cerimónia com os concorrentes perigosos do que Malenkov ou Molotov.

Os resultados do domínio monopolista de Khruchov, ajudado por um Jukov de visão curta e desmedidas ambições pessoais, são evidentes. O País saiu dos trilhos leninistas de desenvolvimento, atrasou-se, prejudicando os interesses de dezenas ou mesmo centenas de milhões de pessoas, se tivermos em conta as implicações internacionais.

Tudo isto poderia ter sido evitado se Stáline tivesse revelado a firmeza e a coerência que lhe eram características na identificação de fenómenos potencialmente perigosos para o socialismo. Por outras palavras, se tivesse eliminado qualquer possibilidade de Khruchov e Jukov surgirem como protagonistas. Não quero com isto dizer que tivessem de ser julgados e presos – já não era tempo disso. Teria sido suficiente impor a estas figuras, indiscutivelmente proeminentes, a reforma compulsiva... Dirá que teria sido injusto, cruel, um acto de repressão. Admito que sim, se analisarmos o assunto sob a perspectiva das suas "capelinhas pessoais", do ponto de vista dos seus amigos, familiares e, claro está, dos nossos literatos de "elevada moral". Mas veja que no interesse de dezenas de milhões, da maioria esmagadora da população soviética, estas "repressões" teriam sido necessárias e justas. Aliás, a autêntica política leninista começa exactamente pela defesa destes interesses, pela capacidade de colocar o geral e o todo acima do que é pessoal e de grupo.

Recorda-se do que se passou com a "oposição operária" [59] em 1921? Nas suas fileiras estavam muitas pessoas honestas e dedicadas aos ideais da revolução, mas que, no entanto, assumiram posições potencialmente perigosas para o socialismo. Vladimir Ilitch Lénine insistiu com a maior firmeza para que fossem excluídas do Partido e, ao falhar esse objectivo (a sua proposta foi derrotada por alguns votos), conseguiu afastar os membros da oposição dos postos decisivos, enviá-los para a província ou para o trabalho diplomático, como foi o caso de Alekssandra Mikhailovna Kollontai [60] …

Talvez a maior falha de Stáline tenha sido o facto de não ter sabido ou, provavelmente, não ter tido tempo para preparar um substituto digno de si. Talvez não tenha tido tempo já que tomou determinadas medidas neste sentido. No XIX Congresso do Partido foi significativamente alargada a composição do Presidium do Comité Central. P.K. Ponomarenko assumiu o cargo de Presidente do Conselho de Ministros e iniciou-se uma espécie de "experiência" com "jovens duplos" de ministros… Porém, infelizmente, tudo acabou por seguir um rumo diferente.

Para finalizar, o que deseja aos jovens que agora entram na vida activa?

Tolstoi tem uma frase notável que vem a propósito: "O caminho correcto é este: assimila o que antes de ti outros fizeram e segue em frente". A minha geração assimilou as lições do leninismo e foi capaz de resolver todos os problemas que se colocaram ao País: construir o socialismo, defendê-lo da agressão fascista, transformar o País numa grande potência moderna. A actual geração também conseguirá dar conta das suas complexas tarefas se souber aproveitar toda a valiosa experiência do passado, se assimilar os métodos bolcheviques de administração do País testados no passado e seguir em frente para alcançar a mais alta produtividade e eficiência do trabalho no mundo e a organização mais racional e humana da cultura, do lazer e da vida no nosso planeta.

O patriotismo, o amor à Pátria não é apenas um factor psicológico, é também uma poderosa força económica. Nos EUA e no Japão estes sentimentos são cultivados logo nas mais tenras idades, incutindo na juventude orgulho pelo seu país, pelo seu povo, pela sua cultura. No nosso país este orgulho é por vezes apelidado, por actuais literatos e alguma imprensa, como chauvinismo.

Nós, como pioneiros do socialismo e internacionalistas por convicção, temos razões acrescidas para nos orgulharmos do nosso país e das tradições heróicas do nosso povo. Apesar de todos os problemas e dificuldades, o futuro acabará por pertencer ao socialismo, enquanto que o capitalismo, não obstante os seus claros êxitos e conquistas, saíra inevitavelmente do palco da História.

Espero que a nossa juventude não se perca perante as múltiplas dificuldades, que não ceda ao cepticismo vulgar, à descrença, à lamúria, mas que, arregaçando as mangas, lute pelos ideais do socialismo com a mesma energia, ardor e abnegação que caracterizaram a geração dos anos 30.

Notas do tradutor

1 Viatcheslav Mikhailovitcht Molotov (1890-1986), membro do PCUS desde 1906. Secretário do Comité Central do Partido Comunista da Ucrânia (1920), integra o Politbureau do PCUS (1926-57). Presidente do Conselho de Comissários do Povo (1930-41) e ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS (1939-1949 e 1953-1956). Em 1957 é designado embaixador na República Popular da Mongólia.

2 Georgui Konstantinovitch Jukov (1896-1974), Marechal da União Soviética, coordenou as acções militares na batalha de Stalinegrado, entre muitas outras, e aceitou a capitulação da Alemanha fascista em 8 de Maio de 1945. Vice-ministro (1953-55) e ministro (1955-57) da Defesa. Candidato a membro do CC do PCUS (1941-46 e 1952-53), membro do CC do PCUS (1953-57), candidato a membro e membro do Presidium do CC do PCUS (1956-1957). Deputado do Conselho Supremo da URSS (1941-1958).

3 Nicolai Aleksseievitch Voznessenski (1903-50), membro do PCUS desde 1919, presidente do Gosplan (1938-41 e 1942-45). Integra o CC do PCUS em 1939 e o PolitBureau em 1947.

4 Alekssandr Sergueievitcht Iakovlev (1906-...), membro do PCUS desde 1938, dirigiu a criação de uma série de tipos de aviões. Caças Iak-1, Iak-2, com motor a hélice, e os jactos Iak-15, Iak-28, entre outros. Os jactos de passageiros Iak-40, Iak-42, auto do livro "O Objectivo da Vida" (1966). Deputado do Soviete Supremo da URSS desde 1946.

5 Alekssei Nicolaievitch Kossíguin (1904-80), membro do CC do PCUS desde 1927. Comissário do Povo para a Indústria Têxtil (1939-40), ministro das Finanças da URSS (1948), ministro da Indústria Ligeira (1949-53), presidente do Gosplan (1959-60), vice-presidente (1960) e presidente (1964-80) do Conselho de Ministros da URSS, membro do CC do PCUS desde 1939 e do PolitBureau (1948-52 e 1960-80).

6 Dmitri Fiodorovitch Ustinov (1908-80), membro do PCUS desde 1927, comissário do povo para o Armamento (1941-53), ministro da Indústria de Defesa (1953-57), vice e primeiro vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS (1957-65), ministro da Defesa 48 (1976). Membro do CC do PCUS desde 1952 candidato a membro (1966) e membro do PolitBureau (1976).

7 Viatcheslav Alekssandrovitch Malechev (1902-57), membro do PCUS desde 1926. Comissário do Povo para a Metalomecânica Pesada (1939-1956), membro do CC do PCUS (1939) e do Presídium do CC do PCUS (1952-52).

8 Ivan Feodorovitch Tevossian (1902-1958), membro do PCUS desde 1918 e combatente na guerra civil. A partir de 1939, ano em que passa a integrar o CC do PCUS, lidera uma série de comissariados (mais tarde designados ministérios) ligados à Indústria. Em 1956 é enviado como embaixador da URSS para o Japão. Deputado do Soviete Supremo da URSS desde 1937.Tevossian

9 Boris Lvovitch Vannikov (1897-1962), membro do CC do PCUS desde 1919. Vice comissário da Indústria de Defesa (1937), Comissário do Povo para o Armamento (1939-1941), Comissário do Povo para as Munições de Guerra (1942-46), primeiro vice-ministro da Indústria de Construção de Máquinas Médias (1953-58). Membro do CC do PCUS (1939-61), deputado do Soviete Supremo da URSS (1946-50).

10 Alekssei Ivanovitch Chakhurin (1904-1975), membro do PCUS desde 1925. Comissário do Povo (1940-46) e vice-ministro da Indústria de Aviação e vice-presidente do Comité de Estado para as Relações Económicas Exteriores (1953-59). Membro do CC do PCU(b) (1939-46). É reformado em 1959.

11 Nikolai Semionovitch. Patolitchev (1908-…), membro do PCUS desde 1928. Responsável de comités regionais (1939-40), secretário do CC do PCUS (1946-47), primeiro secretário do CC do PC da Bielorrússia (1950-56), ministro do Comércio Externo da URSS (1958-85). Membro do CC do PCUS (1941-86). É reformado em 1985.

12 Avraami Pavlovitch Zavieniaguin (1901-1956), director do Combinado Metalúrgico de Magnitorski e vice comissário da Indústria Pesada, responsável pela construção e director do Combinado metalúrgico de Norliski (1938) Vice comissário e vice ministro dos Assuntos Internos da URSS (1941-50), ministro da Metalomecânica, desde 1955. Membro do CC do PCUS desde 1956 (tinha sido candidato entre 1934-39 e desde 1952). Deputado do Soviete Supremo da URSS (1937-50).

13 Alekssandr Mikhailovitch Vassilievski (1895-1977), membro do PCUS desde 1938, marechal da União Soviética (1943), coordenou as acções militares em várias frentes na 2ª Grande Guerra, ministro das Forças Armadas (1949-53), primeiro vice-ministro da defesa da URSS (1953-56). Membro do CC do PCUS (1952-1961), deputado do Soviete Supremo da URSS (1946-58).

14 Konstantin Konstantinovitch Rokossovski , (1896-1968) marechal da União Soviética (1944), comandou os exércitos em várias grandes batalhas durante a Segunda Guerra Mundial, designadamente Moscovo, Briansk e Donsk. Membro do PCUS desde 1919, candidato a membro do CC (1961). Foi ministro da Defesa da Polónia (1949-56) e vice-ministro da Defesa da URSS (1956-57 e 1958-62). Deputado do Soviete Supremo da URSS (1946-49 e 1958).

15 Ivan Stepanovitch Konev (1897-1973), marechal da União Soviética (1944), membro do PCUS desde 1918. Combatente na guerra civil, comandou exércitos em várias batalhas da 2ª Grande Guerra. Candidato desde 1939, torna-se membro do CC em 1952. Deputado do Soviete Supremo da URSS desde 1937.

16 Kirill Afanassievitch Meretskov (1897-1968) Marechal da União Soviética (1944). membro do PCUS desde 1917, participante na guerra civil de Espanha (1936-37), chefe militar na guerra soviético-finlandesa (1939), comandou vários exércitos e frentes na 2ª Grande Guerra. Ministro-adjunto para os estabelecimentos militares de ensino superior (1955-64), candidato a membro do CC do PCUS (1939-56). Deputado do Soviete Supremo da URSS (1940-62).

17 Alekssei Grigorievitch Stakhanov (1905/06-1977), mineiro iniciador de um movimento de massas de operários inovadores dos métodos de produção que foi designado com o seu nome. Em Agosto de 1935 estabeleceu um extraordinário recorde na extracção de carvão. Membro do PCUS desde 1936 e deputado do Soviete Supremo da URSS (1937-46).

18 Saratov , região no sul da Rússia com grande concentração de indústrias de metalomecânica, construção de máquinas-ferramentas, motores e automóveis, electrodomésticos, etc.

19 Goscontrol (Controlo Estatal), era constituído por diferentes órgãos de fiscalização da legalidade e disciplina, que incluíam na base os Sovietes.

20 Kliment Efrimievitch Vorochilov (1881-1969), marechal da União Soviética (1935), membro do PCUS desde 1908, um dos organizadores e responsáveis pelo Exército Vermelho. Herói da Guerra Civil. Em 1925 torna-se Comissário do Povo para os Assuntos da Guerra e do Mar e, em 1934, Comissário do Povo para a Defesa. Vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS (1946), presidente do Presidium do Soviete Supremo da URSS (1953-60), membro do Politbureau (1926-60), membro do CC PCUS (1921-61 e a partir de 1966)

21 Andrei Andreevitch Andreev (1895-1971), membro do PCUS desde 1914, participante na Revolução de Outubro em Petrogrado, Comissário do Povo para as Vias de Comunicação (1931), membro do CC do PCUS (1920-1961), membro do Politbureau (1932-52), deputado do Soviete Supremo da URSS (1937-62).

22 Serguei Mikhailovitch Kostrikov (Kirov) (1886-1934), membro do PCUS desde 1904, dirigiu a luta pelo Poder Soviético no Norte do Cáucaso. Primeiro secretário do Partido na região de Leninegrado (1926), membro do CC em 1923 e do Politbureau em 1930. Vitimado por um atentado.

23 " Oposição Trotskista-Zinovievista" (1926-27), grupo fraccionário, constituído em partido ilegal, que contestava a possibilidade de construir o socialismo na URSS.

24 Nikolai Ivanovitch Bukharin (1888-1938), fuzilado em 1938 no âmbito do processo sobre a actividade anti-soviética do "Bloco Trotskista de Direita", que se propunha restabelecer as relações de produção capitalistas na Rússia.

25 Mikhail Nikolaievitch Tukhatchevski (1893-1937), marechal da União Soviética (1935), membro do PCUS desde 1918, chefe militar durante a guerra civil, vice-comissário da Guerra e do Mar (1931) e vice-comissário da Defesa (1934-36), candidato a membro do CC do Partido em 1934.

26 Iona Emmanuil Iakir (1896-1937), membro do PCUS desde 1917, chefe militar na guerra civil, membro do CC do Partido (1934).

27 Ieronim Pietrovitch Uborevitch (1896-1937), membro do PCUS desde 1917, comandante militar durante a guerra civil, ocupou vários postos no exército. Candidato a membro do CC do Partido (1930-37).

28 Nota do autor : V.I. Lénine, obras completas, tomo 44, págs.364-370 [edição russa]

29 Nota do autor : V.I. Lénine, obras completas, tomo 50, pág.161 [edição russa] 50

30 Feliks Edmundovitch Dzerjinski (1877-1926), membro do Partido desde 1895, foi um dos dirigentes da Revolução de 1905-07. Em 1907 é eleito membro do CC do Partido Social-Democrata Operário da Rússia. Preso e exilado durante vários anos, integrou o Centro Militar Revolucionário do Partido na Revolução de Outubro. Torna-se presidente em 1917 da Comissão Extraordinária de toda a Rússia (órgão de segurança interna, cujos membros eram designados como "tchequistas") e Comissário do Povo para os Assuntos internos (1919-23). Membro do CC (1917) e candidato a membro do Politbureau (1924).

31 Vassili Konstantinovitch Bliukher (1890-1938), membro do PCUS desde 1916, marechal da União Soviética (1935), comandou batalhas durante a guerra civil, ocupou destacados postos militares, candidato a membro do CC (1934-1938).

32 Vissaron Grigorievitch Belinski (1811-48), famoso crítico literário russo, democrata revolucionário e filósofo materialista.

33 Iakov Ivanovitch Alksnis (1897-1938), membro do PCUS desde 1916, chefe militar na guerra civil, vice comandante (1921-31) e comandante da Força Aérea (1931-36).

34 Helena Dmitrievna Stassova (1873-1966), participante nas revoluções de 1905-07 e de 1917, secretária do CC (1917-20), no Komintern (1921-26), membro da Comissão Internacional de Controlo do Komintern (1935-43).

35 Nota do autor : Segundo testemunho de uma antiga secretária de E.D. Stassova, nos anos 50, no CC da União da Juventude Comunista Leninista de toda a URSS.

36 Lion Feuchtwanger (1884-1954)

37 Martin Andersen-Nexö , escritor dinamarquês (1869-1954)

38 Trofim Denissovitch Lessienko (1898-1976), biólogo e agrónomo, deputado do Soviete Supremo da URSS (1937-66).

39 Nikolai Ivanovitch Vavilov (1887-1943) biólogo, primeiro presidente da Academia das Ciências de Agronomia Lénine (1929-35)

40 Igor Vassilevitch Kurtchakov (1902/03-1960), físico soviético, pioneiro na ciência e tecnologia atómica na URSS, dirigiu a investigação que levou à descoberta da divisão do átomo de urânio (1940), a construção do primeiro reactor nuclear na Europa (1946), da primeira bomba atómica soviética (1949), da primeira bomba termonuclear em todo mundo (1953) e da primeira central eléctrica atómica (1954). Membro do PCUS desde 1948, deputado do Soviete Supremo da URSS desde 1950.

41 Serguei Pavlovitch Koroliev (1907-1966), cientista e construtor de mísseis e naves espaciais. Sob a sua direcção foram construídos os primeiros mísseis balísticos, os primeiros satélites para fins diversos, e as naves espaciais "Vostok", "Voskhod" nas quais se realizaram os primeiros voos espaciais e a primeira saída do homem no espaço sideral. Membro do PCUS (1953).

42 Coeficiente de Actividade Útil : indicador de eficiência de um sistema baseado na relação do total da energia fornecida e da que é efectivamente transformada no ciclo de trabalho

43 Nota do autor : V.I. Lénine, obras completas, tomo 30, pág. 351 [edição russa]

44 Trigo tremês : variedade de trigo que nasce e amadurece em três meses.

45 Vernalização : técnica de redução do ciclo vegetativo de uma planta através do tratamento das suas sementes e bolbos com agentes químicos para apressar a sua floração ou frutificação.

46 Pavel Panteleimonovitch Lukianenko (1901-1973), membro da Academia de Ciências da URSS (1964), membro do PCUS (1964), deputado do Soviete Supremo da URSS (1962).

47 Iuri Andreievitch Jdanov (1919-...), cientista químico, membro do PCUS desde 1944, membro do CC (1952-56). Filho de Andrei Alekssandrovitch Jdanov (participante na revolução de Outubro e na guerra civil, membro do PolitBureau desde 1939).

48 Kliment Arkadievitch Timiriazev (1843-1920), naturalista-darwinista, um dos fundadores da escola científica russa de fisiólogos de plantas. Foi deputado do Soviete de Moscovo em 1920.

49 Ivan Petrovitch Kulibin (1725-1818), autodidacta russo, inventor de inúmeros sistemas mecânicos, concebeu o projecto e o modelo da ponte sobre o rio Neba com um só arco de 298 metros.

50 Ivan Ivanvitch Polzunov (1728-1766), um dos inventores do motor térmico. É autor do primeiro projecto em todo do mundo (1763) de uma máquina a vapor com dois cilindros que acabou por não conseguir construir.

51 Andrei Ianurievitch Vechinski (1883-1954), jurista e diplomata soviético. Membro do PCUS desde 1920, mencheivique entre 1903 e 1920. Procurador da União Soviética (1933-39), ocupou altos cargos no Ministério dos Negócios Estrangeiros (1940-53). Membro do CC (1937-50 e 1954).

52 Anastas Ivanovitch Mikoian (1895-1978), membro do PCUS desde 1915. Foi um dos organizadores da luta pelo Poder Soviético no Azerbaidjão. Entre 1926-46 foi Comissário do Povo para o Comércio Interno e Externo, Comissário para o Abastecimento e Comissário para a Indústria alimentar. Ministro do Comércio Exterior (1946-49); ministro do Comércio da URSS (1953-55), primeiro vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS (1955), presidente do Soviete Supremo da URSS (1964-65). Membro do CC (1923-76), membro do Politibureau (1935-66), deputado do Soviete Supremo (1937-74).

53 Panteleimon Kondratievitch Ponomarenko (1902-84), membro do PCUS desde 1925. Primeiro secretário do CC do Partido Comunista da Ucrânia (1938), dirigiu o estado-maior da guerrilha a partir de 1942. Em 1948 torna-se em simultâneo secretário do CC do PCUS e ministro do Aprovisionamento da URSS, ministro da Cultura (1953), primeiro secretário do CC do PC do Kasaquistão (1954), embaixador da URSS na Polónia, Índia, Nepal e Holanda (1955-62). Membro do Presidium do Soviete Supremo da URSS (1941-51e 1954-58). É reformado em 1978.

54 Nota do autor : Lion Feuchtwanger, Moscovo, 1937, pág. 26

55 Partorg (organizadores do partido), dirigentes eleitos nas organizações partidárias dos diferentes níveis.

56 Manilov , um dos protagonistas da obra de Nicolai Gogol "Almas Mortas". Expressão utilizada para designar projectos irrealistas, inúteis e desligados da realidade.

57 Iakov Arkadi Iakovlev (o seu verdadeiro apelido era Epchtein), membro do Partido desde 1913, foi um dos dirigentes que combateram pelo Poder Soviético na Ucrânia, ministro da Agricultura entre 1929 e 1933. Foi fuzilado em 1938. 52

58 " Oblomovismo ", termo com origem na personagem de Oblómov, protagonista do romance homónimo de Ivan Alekssandrovitch Gontcharov (1812-1891), que representa a inércia, a preguiça e a ociosidade.

59 " Oposição Operária ", grupo fraccionário de tendência anarco-sindicalista formado no Partido Comunista da Rússia (bolchevique) entre 1920-22. Contestava o papel dirigente do Partido e do Estado Soviético, elegendo os sindicatos como a forma suprema de organização da classe operária, aos quais deveria ser entregue a administração da economia.

60 Alekssandra Mikhailovna Kollontai (1872-1952), membro do PCUS desde 1915, participante na Revolução de Outubro, em Petrogrado. Membro do CC, foi Comissária do Povo entre 1917-18. Adere aos "Comunistas de Esquerda" em 1918 e à "Oposição Operária" em 1920-22. Foi a primeira mulher embaixadora no mundo. Representante de Negócios da URSS na Noruega (1923), no México (1926), embaixadora na Suécia (1930-1945).

[*] Ministro da Agricultura da URSS, de 1938 a 1959.
[**] Membro da União dos Jornalistas da URSS, doutorado em Ciências Económicas.

O original encontra-se na revista Molodaya Gvardia, 1989, N.º 4, pgs. 12-65.
A versão em português foi extraída de www.hist-socialismo.net . Tradução portuguesa e notas de CN, Fev/2005

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .